Petróleo não tornou o Chade num país mais rico
19 de outubro de 2013No final dos 90 anos, produtos como cebolas, tomates, milho-miúdo e carne bovina, provenientes de agricultores da região, eram vendidos no mercado de Donia. Nessa época, a cidade no sul do Chade ainda estava longe dos mercados mundiais.
Alguns comerciantes já importavam bens da Nigéria e dos Camarões, como baterias, sabonetes e sabão em pó, canetas ou tecidos coloridos. As pessoas não tinham dinheiro para comprar mais coisas. Não havia estradas pavimentadas. Quem quisesse ir até à capital, Ndjamena, a 500 quilómetros de distância, demorava pelo menos dois dias.
Foi nessa altura que a Esso, uma subsidiária do grupo norte-americano ExxonMobil, anunciou a sua intenção de produzir petróleo na região.
Equipas de exploração espalharam-se e começaram as perfurações, em busca dos recursos minerais da savana.
De repente, abriram-se novos horizontes para o povo de Donia e arredores.
“Esperávamos que a Esso construísse escolas, postos de saúde, poços e estradas entre as aldeias”, recorda Youssouf Banengone, que nessa época era o chefe da aldeia de Miandoum, localizada na futura área de produção petrolífera.
Maior investimento de sempre
Essas esperanças foram alimentadas pelo Governo do Chade. Afinal de contas, o consórcio da Esso, formado por três grandes empresas petrolíferas, pretendia investir mais de três mil milhões de euros, que até a data era o maior investimento de sempre em África.
Saleh Kebzabo, que atualmente é um dos líderes da oposição, foi ministro do Petróleo durante o Governo do Presidente Idriss Déby em 1998. Nessa altura, anunciou receitas adicionais que podiam chegar aos 90 milhões de euros por ano, ou seja, metade do Orçamento de Estado anterior.
“Esse dinheiro iria permitir-nos pagar aos funcionários e ao exército e investir em serviços sociais e em educação: escolas, hospitais, equipamentos médicos, além de infraestruturas rodoviárias e bebedouros de água”, prometeu então Kebzabo.
No meio da euforia misturava-se já também algum ceticismo inicial, sobretudo de ativistas dos direitos humanos e ambientalistas. Afinal, o Chade não tinha qualquer experiência na gestão de um projeto tão grande, não existiam estruturas para um controlo democrático das receitas do Governo e também havia grupos rebeldes ativos na região petrolífera.
Críticos pediram cautela
Ao mesmo tempo, ninguém queria impedir a produção de petróleo no Chade, até porque o país tinha perspetivas para sair mais rápido da pobreza. Mas os críticos pediram cautela. Entre eles estava Djéralar Miankeoel, que nessa altura trabalhava para uma organização de ajuda ao desenvolvimento.
“Tendo em consideração o desenvolvimento natural, o crescimento populacional e a imigração, é evidente que essa região, em 20 anos, ficará em desequilíbrio. Com a chegada do petróleo, isso naturalmente irá acentuar-se”, advertiu então Miankeoel, chamando a atenção para a mudança e para os avultados investimentos que implicaria.
“As pessoas terão tão pouca terra disponível que já não conseguirão fazer face às suas necessidades de vida”, previu também, vaticinando também que entre cinco e dez anos se atingiria a saturação.
Apoio do Banco Mundial
O Banco Mundial, porém, parece ter olhado mais para as possibilidades de prosperidade do Chade, que é um dos países mais pobres do mundo. Apoiou os governos do Chade e dos Camarões no financiamento do oleoduto de mil quilómetros, através do qual o petróleo flui do interior de África até a costa atlântica.
Perto do porto camaronês de Kribi existe um terminal para o carregamento de navios-tanque. Em troca, os governos comprometeram-se a investir as receitas do petróleo na luta contra a pobreza. Também as empresas petrolíferas tiveram interesse nesta parceria com o Banco Mundial, para mostrar aos seus financiadores que todas as normas internacionais tinham sido cumpridas.
Com o apoio de organizações não governamentais da Europa, dos Estados Unidos da América e do Chade, os agricultores chadianos conseguiram compensações mais altas por terras que foram ocupadas pela indústria. Defensores dos direitos civis também foram autorizados a participar nas comissões responsáveis pela monitorização da aplicação do dinheiro do petróleo.
O consórcio tomou a sua forma atual no ano 2000. Além da ExxonMobil, líder do projeto, a Petronas da Malásia e a norte-americana Chevron também têm participações na Esso Chade.
Foi em 10 de outubro de 2003 que o petróleo fluiu pela primeira vez através do oleoduto em direção ao Atlântico. Nos anos seguintes, os números da economia do Chade cresceram rapidamente. No entanto, na região do petróleo propriamente dita o balanço era diferente. Embora tenham sido construídos novos centros de saúde, edifícios administrativos e estradas, a maioria das pessoas ainda tem de viver sem acesso às redes de eletricidade e água potável.
Consequências negativas
Na aldeia de Miandoum, onde eram altas as expectativas em 1998, as aulas ainda decorrem em cabanas de palha. Da nova escola prometida nada se vê. “Trata-se certamente de negligência. Vêm sempre cá grupos de interesse da Esso e organizações de desenvolvimento. Falam muito, mas quando partem, nada muda”, afirma a diretora da escola, Christine Ndeindounga, que não esconde a desilusão.
Em 2008, também o Banco Mundial mostrava desânimo. O Presidente Idriss Déby tinha quebrado todos os acordos sobre o controlo e uso das receitas do petróleo. Preferiu gastar o dinheiro em armas e não em escolas e hospitais. Depois disso, grupos rebeldes ameaçaram repetidamente o seu regime. O Banco Mundial retirou-se então do projeto.
O então representante da União Europeia em Ndjamena, Gilles Desesquelle, também fez um balanço preocupante em 2009. “Acreditamos que há receitas do petróleo que são aplicadas no desenvolvimento, mas a nosso ver não são suficientes. A utilização das receitas do petróleo deve ser muito mais transparente”, defendeu.
Segundo Desesquelle, foi elaborado um orçamento para áreas fundamentais como a educação e a saúde, mas este nunca chegou a ser executado. “Na área da saúde, foram criadas algumas infraestruturas, mas não há médicos nem enfermeiros. É urgente ter recursos humanos neste setor”, salientou.
Djéralar Miankeoel também já tinha advertido para as consequências negativas da produção de petróleo em 1998. E hoje, dez anos após a inauguração do oleoduto, também não vê qualquer progresso. “Atualmente, a situação na área de produção de petróleo é catastrófica.”
“O meio ambiente está completamente destruído. A cada dia que passa, as pessoas ficam mais pobres. Conseguir uma refeição quente por dia é um grande problema”, alerta. Apenas um pequeno grupo de pessoas enriqueceu, critica Miankeol. “Construíram casas por todo o lado e retiraram terras aos camponeses.”
Agricultores prejudicados
Segundo o alemão Martin Petry, que trabalha há mais de 20 anos com várias organizações no Chade, especuladores com ligações a autoridades governamentais e locais forçaram os agricultores a vender as suas terras ou baniram-nos simplesmente.
“Famílias de agricultores deixaram subitamente de ter terras para cultivar e passaram a viver de pequenos trabalhos diários nas grandes cidades e sem perspetivas de carreira”, critica Petry, que atualmente é consultor em organizações de direitos humanos em África.
Muitos dos que receberam dinheiro para que a indústria do petróleo fizesse uso das suas terras também não estão numa situação melhor, afirma Martin Petry. As pessoas nunca aprenderam a fazer negócios com grandes quantias de dinheiro e gastaram-no rapidamente. Nem sequer chegaram a criar uma nova fonte de rendimento. Esse dinheiro também gerou invejas e conflitos, diz o consultor. Muitas famílias e estruturas tradicionais nas aldeias desmoronaram-se, conta Petry.
Por outro lado, Hassan Sylla Bakari, ministro da Informação do Governo do Presidente Idriss Deby, faz um balanço muito diferente depois de dez anos de produção de petrolífera. “Em poucos anos, o petróleo trouxe um enorme crescimento para o Chade. Hospitais, escolas secundárias, poços de armazenamento de água: tudo isso foi construído e hoje é motivo de orgulho para os chadianos.”
Vozes críticas perseguidas
Sem um mínimo de boa governação, um projeto assim não poderia ser bem sucedido, defende Delphine Djiraibé, advogada e ativista dos direitos humanos, quando faz um balanço da última década.
“O Chade é um exemplo claro de que não se deve iniciar um projeto como este quando o Governo não está no seu melhor”, afirma. “Porque quando isso acontece, as somas milionárias só servem para reforçar o comportamento nocivo de um governo que não é democrático, que é corrupto e não respeita os direitos humanos”, critica a ativista.
Os mais críticos são constantemente ameaçados pelo Governo chadiano ou até mesmo presos. Alguns deixaram o país durante um curto período de tempo e outros até permanentemente, porque viram as suas vidas em perigo.
Que o Governo do Chade não gosta de ouvir críticas ficou claro numa entrevista concedida à DW pelo ministro da Informação. Hassan Bakari teve um acesso de raiva logo após a segunda pergunta, quando questionado sobre o facto de o Chade ter ficado no quarto lugar dos países menos desenvolvidos do Mundo no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU publicado em 2012. O ministro interrompeu o entrevistador e desligou o telefone.