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Portugal aperta combate ao racismo

31 de agosto de 2017

Com uma grande diáspora africana, o país quer pôr um travão ao problema. O novo diploma estabelece multas pesadas contra indivíduos e pessoas coletivas que cometam crimes raciais.

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Foto: DW/J. Carlos

O novo Regime Jurídico de Prevenção, Proibição e Combate à Discriminação pune quem discriminar em razão da origem racial e étnica, cor, nacionalidade, ascendência e território de origem. Apenas como exemplo, quem recusar alugar casa ou negar entrada num bar a alguém por causa da sua cor da pele fica sujeito a uma multa.

A lei que estabelece o regime foi publicada a 23 de agosto e não teve grande alarido na imprensa portuguesa. Mas, várias associações e vozes críticas já se pronunciaram contra a lei.

O advogado José Semedo Fernandes aponta vários exemplos argumentando por que razão a lei não é eficaz. E começa pela composição da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR), cuja função é fiscalizadora. "Ela é composta por mais de uma dezena de membros e para um órgão de fiscalização. Na minha opinião, isso não faz muito sentido, até porque os representantes são de quase todas as áreas e quase não tem representantes que espelhem a comunidade" estrangeira no país, refere o advogado José Semedo Fernandes.

Segundo o advogado, a representação das associações e pessoas que falam em nome das minorias étnicas corresponde talvez a 5% do total da composição da Comissão.

Portugal Rassismus Jose Semedo Fernandes
Advogado José Semedo FernandesFoto: DW/J. Carlos

"Neste sentido, e em mais sentidos, eu acredito que ela não é eficaz. Ela é uma lei que existe para justificar provavelmente as imposições da União Europeia, pela Diretiva Comunitária, que impôs que Portugal também tenha instrumentos de combate ao racismo", critica José Semedo Fernandes.

A lei estabelece multas que podem ir até 4.210 euros, quando o ato de racismo é cometido por indivíduos, e até 8.420 euros, se for cometido por pessoas coletivas.

No entender de José Semedo Fernandes, "não faz muito sentido alguém ter uma atitude racista e ser condenada ao pagamento de uma coima como quem estaciona em cima da passadeira."

Em vez disso, o advogado considera que deve haver "uma lei específica para condenar o racismo, mas a título criminal e não contraordenacional”.

José Semedo Fernandes acrescenta ainda que face ao número de queixas é quase irrisório e ridículo o número de condenações.

Competência para investigar e julgar em paralelo?

Entre vários outros aspetos, o advogado também questiona as novas competências do Alto Comissariado para as Migrações (ACM). Na sua leitura pessoal, compara esta entidade ao Ministério Público.

31.08.17 Lei discriminação racial Portugal (longa) - MP3-Mono

"Para mim, faz pouco sentido – porque no Direito Criminal isso não acontece – que quem investigue depois julgue. Quem investigar não deve julgar. E há outra dificuldade que é a questão – não sei se vão conseguir suprir essa dificuldade – da logística e os meios para poderem fazer essa investigação e essa recolha de prova. O que não vai ser fácil", antevê José Semedo Fernandes.

Por outro lado, o advogado receia que a próxima fase, após este período de reconhecimento do problema que existe na sociedade portuguesa, seja a da negação do problema.

Combate ao racismo tem sido ineficaz

A SOS Racismo, organização sem fins lucrativos, tem estado atenta e tem apresentado queixas contra atitudes racistas à Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial sem que, na verdade, daí resulte qualquer consequência. 

Portugal Rassismus Mamadou Ba
Mamadou Ba, dirigente da organização não-governamental SOS RacismoFoto: DW/J. Carlos

O dirigente da SOS Racismo, Mamadou Ba, recorda o caso dos jovens negros da Cova da Moura, vítimas de racismo policial, e exorta a sociedade portuguesa a ter uma postura de combate firme contra atos raciais.

"Se não for assim perdemos todos. Perdem as instituições, perde a credibilidade do Estado e perdem as comunidades que foram sendo violentadas nos últimos anos", alerta Mamadou Ba.

Apesar das limitações no combate à discriminação racial, o novo Regime Jurídico de Prevenção, Proibição e Combate à Discriminação "pode ser também um desbloqueio que se vinha a sentir dentro das instituições, que se têm manifestado pouco capaz de, realmente, restituir justiça, às vítimas do racismo", espera o dirigente da organização.

A SOS Racismo também considera que, quase duas décadas depois da sua implementação, a atual lei contra a discriminação racial revela-se insuficiente, ineficaz e completamente desadequada à realidade.

A ineficácia da lei e dos instrumentos da sua aplicação, nomeadamente a inoperância da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial favoreceram a impunidade que grassa na sociedade e nas instituições.