Portugal investe no combate à mutilação genital feminina
6 de fevereiro de 2021Assinala-se este sábado (06.02) o Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina (MGF). Em Portugal, é preocupação das autoridades a prevenção precoce, depois de terem sido detetados, em consultas médicas, casos de mulheres – nomeadamente originárias da Guiné Bissau – que, durante a infância, foram vítimas da excisão ou fanado.
Rosa Monteiro, secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, diz à DW África que as instituições portuguesas têm trabalhado sobre esta matéria em articulação com as associações da sociedade civil e das diásporas com ligações a países como a Guiné Bissau.
"No novo Programa Estratégico de Cooperação Portugal-Guiné Bissau, assinado no passado dia 13 de janeiro, em vigor entre 2021 e 2025, uma das medidas é precisamente o apoio a medidas de prevenção e combate às práticas nefastas, incluindo a MGF", revela.
Num comunicado oficial, o Governo português acaba de anunciar que reforçou em 50.000 euros o financiamento de projetos a cargo de organizações da sociedade civil portuguesa que trabalham na prevenção e combate à mutilação genital feminina.
Menos casos de MGF
De acordo com os dados oficiais, em 2020, foram identificadas pelos serviços de saúde portugueses 101 mulheres que foram mutiladas, quando criança, no país de origem. Em 2019, registaram-se 129 casos.
Entre outras medidas, também contribuíram para a redução dos números a formação dos profissionais de saúde, ações no plano da educação e o papel do setor da Justiça. Segundo Rosa Monteiro, "no dia 5.02, o SEF – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras - lançou um novo instrumento, que será um modelo de sinalização e de proteção de potenciais vítimas de MGF ou de casamentos infantis precoces e forçados em Portugal e que estejam em viagem".
Detetar e previnir
Para assinalar o Dia Internacional para a Erradicação da MGF, a Comissão para a Cidadadia e Igualdade de Género promoveu, na sexta-feira (05.02), um webinar com foco nesta temática. Por um lado, para evocar como comunicar sobre MGF, evitando os efeitos de estigmatização e discursos de ódio racista contra as vítimas. Por outro lado, os convidados abordam como intervir ou atuar face à prática da mutilação, cujo objetivo é a sua erradicação a nível internacional.
A secretária de Estado sustenta que Portugal tem-se munido de instrumentos que garantem capacidade de deteção e de prevenção, mas também de diagnóstico de situações relacionadas com a prática da MGF. Nos períodos de férias letivas, acrescenta, são realizadas campanhas de sensibilização nos aeroportos de Portugal, em articulação com as empresas que gerem os serviços aeroportuários, incluindo o SEF, no sentido de transmitir informação e o alerta de que é crime a prática da MGF.
Rosa Monteiro dá conta também de contatos com o Ministério Público, visando acionar medidas de prevenção e de proteção das raparigas, potenciais vítimas desta prática nos países de origem.
"A prevenção e a informação são fundamentais", considera Paula da Costa Williams, que trabalha como consultora no plano da formação com algumas associações da comunidade guineense em Portugal.
"O tema da MGF é um tema também bastante importante para estas associações. O que é preciso fazer é que haja uma prevenção para as crianças que nasçam em Portugal não sejam depois mandadas para a Guiné-Bissau para ser feita a MGF feminina lá", afirma.
Penalização legal
Paula da Costa Williams trabalhou em ações de formação com a Associação Amigos de Farim sobre o islão e a MGF. A professora, que já desenvolveu ações educativas na Guiné-Bissau no âmbito de projetos financiados pela organização não-governamental alemã Weltfriedensdienst (ou "Serviço Mundial para a Paz", em português) recorda que a lei contra a MGF já está em vigor na Guiné-Bissau desde 2011, sendoigualmente penalizada em Portugal."É essa informação que tem de ser passada para a comunidade", insiste.
Em janeiro passado, pela primeira vez em Portugal, uma mãe luso-guineense foi condenada a três anos de prisão depois de julgada pela prática da mutilação genital de uma filha na Guiné-Bissau. Sem se esquecer da responsabilidade do pai e da mãe – que permitiram o que aconteceu – Paula da Costa lamenta esta condenação, mas principalmente pela criança que foi mutilada.
"Porque foi retirado a esta menina um futuro melhor para viver plenamente o seu corpo, a sua sexualidade e a sua vida. Eu ouvi várias pessoas a dizer que a pena devia ser mais leve tendo em consideração o costume e a tradição. Eu não estou de acordo. Seja costume, seja tradição, está penalizado na Guiné-Bissau, desde 2011", conclui.
A trabalhar na temática da MGF desde 1978, Paula da Costa entende, por outro lado, que o Ministério Público na Guiné-Bissau deve investigar para penalizar também os executantes e os participantes no ato de corte genital daquela menina.