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"Portugal não é um país racista, mas existe racismo no país"

2 de julho de 2020

Mais de 60% dos portugueses manifestam crenças racistas, diz um estudo do European Social Survey. A ONG SOS Racismo sugere medidas estruturantes para combater o racismo em Portugal - sobretudo na educação e na justiça.

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Manifestação "Portugal não é racista", em Lisboa, no sábado (27.06)Foto: Reuters/R. Marchante

Nunca foi vítima. No entanto, Vanusa Coxi admite que já presenciou vários casos de racismo na sociedade portuguesa. A ativista social portuguesa de origem são-tomense discorda daqueles que afirmam que não há racismo em Portugal. "Na sua totalidade, não creio. Para quem realmente vive a realidade portuguesa, sabe que Portugal, em si, não é um país racista, mas existe racismo em Portugal", sublinha.

Portugal, Lissabon: Vanusa Coxi I Soziale Aktivistin
Ativista Vanusa CoxiFoto: DW/J. Carlos

"Há mesmo portugueses brancos - posso assim dizer - que assumem que existe racismo em Portugal, mas todos nós sabemos que existem portugueses que preferem enfiar a cabeça na areia e dizer: 'Ah, não. Não existe racismo' ou 'Eu não sou racista'", afirma Vanusa Coxi.

À conversa com a DW África, recorda alguns episódios de racismo que conhece. Um deles aconteceu num centro comercial no Seixal, na margem sul do Tejo: "Quando se vai entregar currículo, se virem um negro e um branco, ambos jovens, por vezes, mesmo se o negro tiver mais capacidade para aquele cargo, porque já teve experiência naquela função, são capazes de dar aquele lugar ao jovem branco por ser branco".

"Muitos dos jovens daqui [do Bairro da Jamaika] acabaram por desistir ou começaram mesmo a desanimar-se de procurar trabalho mediante essa situação, porque aconteceu com eles", afirma.

Não bastam medidas avulsas para combater o racismo

Numa manifestação realizada no passado sábado (27.06), em Lisboa, o CHEGA, partido da oposição com apenas uma representação parlamentar, saiu à rua em jeito de resposta aos protestos promovidos semanas antes pelo movimento "Black Lives Matter" contra a discriminação racial em Portugal, pretendendo mostrar que não há racismo no país. A iniciativa também serviu para apoiar as forças de segurança, acusadas de vários atos de agressão racista contra negros.

Em declarações aos jornalistas, André Ventura, líder do CHEGA - que conquistou 1,29% do eleitorado nas legislativas de 2019 - defendeu direitos e deveres iguais para todos: "É isso que queremos. Não queremos um país em que as minorias possam achar que têm mais direitos do que os outros simplesmente porque são minorias. Por saírem à rua, como ouvimos a deputada Joacine Katar Moreira dizer que 'eles, os brancos, é que são racistas'. Quer dizer, chega disso". 

Portugal André Ventura
Ventura: "Não queremos um país em que as minorias possam achar que têm mais direitos"Foto: Getty Images/AFP/P. De Melo Moreira

A ativista social Vanusa Coxi não critica o direito à manifestação, entendida por dirigentes de movimentos antirracistas como a resposta aos protestos do passado dia 6 de junho, em que milhares de pessoas saíram à rua, repudiando o racismo institucional em Portugal, numa corrente de solidariedade a seguir à morte do norte-americano George Floyd, depois de um polícia lhe ter pressionado o pescoço durante oito minutos.

Para Mamadou Ba, dirigente da organização não-governamental SOS Racismo, Portugal já não pode "combater o racismo com proclamações, apenas com medidas avulsas".

"Teremos, naturalmente, que enfrentar o problema com medidas estruturantes, nomeadamente na educação, na área da habitação, na área do emprego, mas também na área das instituições, nomeadamente da polícia e da justiça", sublinha.

Mamadou Ba considera fundamental que o Governo comece a olhar rapidamente para a infiltração da extrema-direita nas forças de segurança. E lamenta que, dos 75 casos de racismo registados dentro das forças de segurança, nenhum tenha resultado em condenação.

"Não é compreensível que a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial arquive ou deixe prescrever 80% das queixas que lhe chegam", frisa.

"Debelar desigualdades como factor racial no país"

Na semana passada, veio a público um inquérito europeu (European Social Survey) a contrariar André Ventura. Mais de 62% dos portugueses inquiridos manifestam crenças racistas. Apenas 11% dos portugueses não manifestam qualquer tendência. "Os números são, só por si, absolutamente eloquentes", comenta Mamadou Ba.

Portugal Lissabon | Mamadou Ba - Mitglied der Bewegung SOS Racism
Mamadou Ba: "Os números são eloquentes"Foto: DW/J. Carlos

O estudo pretendia perceber se há racismo biológico e cultural em Portugal. A conclusão foi que os preconceitos ou as tendências racistas são mais fortes entre entrevistados mais velhos e com menor grau de escolaridade. A solução - aconselha o inquérito - depende da educação dos mais jovens.

O dirigente da SOS Racismo diz que "o inquérito chega numa altura bastante particular", pelo impacto que pode ter na capacidade de, finalmente, se desmentir o que se tem dito nos últimos tempos sobre o racismo em Portugal. "É fundamental que o Governo comece a adotar os instrumentos capazes de combater o racismo", afirma.

Ba considera que "isso só será possível se, do ponto de vista orçamental, o Estado decidir alocar uma verba substancial para programas pilotos na área da educação, na área do emprego, da habitação e do emprego, para começarmos finalmente a debelar as desigualdades como fator racial no país". 

De referir que, esta semana, o caso Luís Giovani, estudante cabo-verdiano morto a 21 de dezembro do ano passado, depois de violentamente espancado por um grupo de jovens, em Bragança, voltou à imprensa.

O Ministério Público acusou sete suspeitos pela prática do crime de homicídio qualificado agravado (três em prisão preventiva e os restantes em prisão domiciliária). No entanto, a Justiça portuguesa concluiu, neste processo, que o crime não tem motivação racial.