Presidente Nyusi devia distanciar-se dos "cipaios digitais"
4 de setembro de 2020"Milicianos digitais" ou "cipaios digitais" é como são chamados os destacados fazedores de opinião que independentemente das circunstâncias defendem a ferro e fogo o Governo da FRELIMO e o seu Presidente, Filipe Nyusi. E igualmente atacam, sem olhar meios para atingir fins, todos os críticos do Governo e do Presidente.
Indignação, ultraje ofensas, desrespeito e revolta são alguns dos estragos causados pelas suas frequentes balas. A sociedade civil moçambicana há tempos que se insurge e até mesmo pede uma investigação à atuação dos "milicianos digitais", pois muitos atos de violência física contra críticos do regime e danos materiais são relacionados aos seus dicursos, entendidos como ameaçadores.
O académico Elísio Macamo lembra entretanto, que o Presidente da República tem manifestado abertura a crítica, mas entende que isso não basta: "Agora, [o Presidente] precisa de fazer mais para mostrar que, de facto, o que diz o diz com convicção. Por exemplo, pode mostrar esse compromisso com a crítica, essa abertura afastando-se das pessoas que são intolerantes e que constantemente na esfera pública falam como se estivessem a falar em seu nome"
O silêncio de Nuysi
Entretanto, tal não acontece até hoje, embora Filipe Nyusi nos últimos tempos tenha optado por sair do silêncio em relação aos dilemas nacionais, vestindo mais a camisola de estadista. O Presidente tem se colocado justamente do lado oposto dos que vilipendiam a sociedade em seu nome, numa postura de diálogo.
Por exemplo, no caso do incêndio supostamente criminoso a redação do Canal de Moçambique, em que os "cipaios digitais" insinuam que os seus colaboradores tenham incendiado a própria redação como forma de obter fundos para fins questionáveis, o estadista veio a público repudiar o aparente crime e pedir uma investigação.
Perante este cenário a ativista social Fátima Mimbire esperava uma atitude mais vigorosa do próprio Presidente da República: "Eu esperava que o Presidente mandasse uma mensagem muito clara a este tipo de pessoas perante a postura que tem de ter diante deste tipo de situações e perante a diversidade de ideias e pensamentos".
Para o ativista e diretor da ONG CDD, Centro para o Desenvolvimento da Democracia, Adriano Nuvunga, as ações dos chamados milicianos digitais visam "denegrir um processo, uma campanha bastante justa, visa também desencoraja solidariedade, porque as pessoas não querem ser associadas a uma coisa que não é vista como legítima e nesse sentido visa mesmo envenenar o espaço da solidariedade."
Sociedade resiste ao envenenamento
Contudo, a sociedade dá sinais de não se deixar envenenar, pelo contrário, insurge-se contra os milicianos, ridicularizando-os diariamente. Mas nem mesmo isso mantém os coldres dos milicianos fechados.
Na lista, por exemplo, constam frequentes acusações nunca provadas de que o bispo de Pemba, dom Luiz Fernando Lisboa, que presta apoio aos deslocados de guerra em Cabo Delgado, apoia insurgentes, de ingerência em assuntos internos com claras insinuações racistas. Tudo porque Lísboa denuncia violações cometidas pelas Forças de Segurança no palco de guerra.
Também no âmbito desta tensão Nyusi aproximou-se do bispo acenando a bandeira da paz, mas nunca contestou os que o "diabolizam".
Face a degradação do clima de debate, Elísio Macamo afirma: "Tem de haver mudança que consista na criação de espaço para que as pessoas se sintam livres para interpelar o Governo criticamente. Este tem de ter interesse em encorajar a cidadania ativa e isso não se faz com pessoas com medo. E criticar não significa que a pessoa tenha razão. Precisa de haver uma mudança ao nível do Governo."
A política tem duas caras: uma que se mostra ao público, a politicamente correta, e a outra que nunca sai dos bastidores, muitas vezes perversa. Em Moçambique há quem acredite que os "milicianos digitais" estejam a ser pagos pelos próximos do Presidente para escangalharem sem escrúpulos os detratores de Nyusi e do seu Governo. Esta equivaleria a face dos bastidores.
Se o estadista não vier a público se distanciar deles pode se subentender que o Presidente está, de facto, a ser servido pelos chamados "milicianos digitais"?