Privatização da UNITEL: Medida justa ou pouco transparente?
29 de agosto de 2024O Governo de Angola decidiu avançar com a privatização de 15% da UNITEL, reservando 2% das ações para os funcionários. A medida é eologiada por alguns economistas, mas também levanta críticas, tanto de ex-acionistas como Isabel dos Santos, quanto de especialistas que questionam a transparência do processo.
A UNITEL, atualmente sob controlo estatal através do Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado (IGAPE) e da Sonangol, foi nacionalizada em outubro de 2022, após o Governo ter assumido duas participações de 25%, da Vidatel e da Geni, empresas ligadas a Isabel dos Santos e ao general Leopoldino do Nascimento Fragoso "Dino".
Com cerca de 13 milhões de clientes e uma quota de mercado de aproximadamente 70% na telefonia móvel, a UNITEL é a maior operadora de telecomunicações em Angola.
Agora, a privatização de 15% do capital social da empresa deverá ser realizada através de uma Oferta Pública Inicial (IPO) na Bolsa de Dívida e Valores de Angola (BODIVA), conforme um despacho presidencial publicado este mês em Diário da República.
Críticas e controvérsias
O economista angolano Nataniel Fernandes avalia a privatização como um passo positivo para o mercado de ações angolano. "Eu diria que o Governo fez bem. Não acho que esses ativos sejam necessários ao Estado. É bom que entrem na bolsa de valores e ajudem a dinamizar o nosso mercado de ações de Angola e tem ainda poucos ativos a serem transacionados", afirmou.
Esta medida faz parte do Programa de Privatizações (ProPriv 2023-2026) do Governo angolano, que visa reduzir a presença estatal em setores estratégicos e fomentar a participação do setor privado na economia.
Contudo, Nataniel Fernandes critica a forma como o Estado adquiriu as participações na UNITEL, questionando a transparência dos processos judiciais que culminaram na nacionalização. "Eu penso que o processo judicial deveria ser muito mais transparente, deveria ser o máximo público para nós percebermos exatamente como os ativos saíram do privado para a titularidade do Estado, se de facto o julgamento foi concluído e se o próprio julgamento foi justo", sublinha.
A crítica à falta de transparência foi também partilhada pelo economista e político Filomeno Vieira Lopes, presidente do Bloco Democrático.
"O Presidente João Lourenço faz essas privatizações a seu favor porque está também a criar um grupo económico forte em torno de si. A forma de fazer a acumulação primitiva tem sido o chamado ajuste direto. Cerca ou acima dos 95% das contratações públicas é por ajuste direto, o que significa que o Presidente pode fazer a distribuição para quem quiser. E este ajuste direto proporciona também que estas pessoas, entidades, estejam agora bem posicionadas do ponto de vista financeiro para poderem assumir a privatização de vários ativos", explica.
Acusações de roubo
Numa entrevista à DW, em novembro passado, Isabel dos Santos considerou a nacionalização da UNITEL como "um roubo". A empresária angolana argumentou que o processo foi injusto e motivado por uma campanha para manchar a sua reputação e justificar a expropriação dos ativos.
"Acho que esta toda a campanha que foi montada para tentar desacreditar a minha obra e justificar a nacionalização da UNITEL foi para depois vender aos amigos", declarou na altura.
Quanto ao roubo, Filomeno Lopes tem as suas reticências: "Esta questão de que é um roubo tem de ser analisada de um ponto de vista um bocado mais profundo. Em primeiro lugar, também no tempo de Isabel dos Santos, ou no tempo do Presidente José Eduardo, houve muitas transferências para o seu grupo económico que foram verdadeiras engenharias no sentido de certos setores assumirem, quer por processo de privatização, quer por outros processos, assumirem os ativos que pertenciam ao Estado."
"Algum investimento direto feito pelos anteriores investidores, naturalmente que se não existir uma compensação justa pode também aí considerar-se um roubo. Mas é preciso, em primeiro lugar, ter em conta como é que este processo foi montado e grande parte dele tinha efetivamente capitais públicos", salienta o economista.
A DW tentou obter um comentário da UNITEL, mas não obteve resposta até o momento.
Apesar das críticas, a privatização da maior operadora de telecomunicações de Angola é vista por diversos observadores como um teste crucial para o futuro das reformas económicas em Angola, enquanto o país procura equilibrar as contas públicas e atrair mais investimentos estrangeiros.