"O problema é olhar para quem tem armas como autoridade"
3 de novembro de 2015Depois de uma fase de confrontos armados, foi assinado um acordo de paz em setembro de 2014 e houve um abrandamento das hostilidades. Porém, nos últimos meses e semanas, a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) e o Governo da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) voltaram a confrontar-se.
A DW África perguntou a Daviz Simango, líder do MDM, se o terceiro maior partido do país se sente "esmagado" entre as duas forças e se se vê como alternativa ao conflito quase eterno entre a FRELIMO e a RENAMO.
O edil da Beira também não descarta a hipótese de concorrer pela terceira vez à presidência de Moçambique, se o partido achar que "Simango é o candidato mais seguro".
DW África: Actualmente vive-se outra vez um clima de grande tensão entre o partido no poder, a FRELIMO, e o principal partido da oposição, a RENAMO. Sente-se um pouco "esmagado" entre estas duas forças que se opõem, por vezes até com recurso à violência?
Daviz Simango (DS): O problema do mundo africano é que olha para quem tem armas como autoridade. Olha para quem tem armas como entidade que é capaz. E nós, infelizmente, vivemos isso nas eleições passadas, quando a população votou por medo, porque queria estar segura que, caso um deles ganhasse, se mantinha o poder. O nosso partido, o Movimento Democrático de Moçambique, não tem armas. Então, a população colocou o MDM em terceiro plano. Mas nós estamos conscientes de que é uma luta e precisamos continuar porque conseguimos quebrar a bipolarização, que era um processo longo.
A FRELIMO nasceu de um movimento de luta de libertação nacional, que permitiu que os moçambicanos que queriam a independência se juntassem à FRELIMO e naturalmente foram apoiando a FRELIMO. A RENAMO surge numa guerra civil de 16 anos. O incumprimento e violações dos direitos humanos e a ausência de democracia criaram condições para que a RENAMO, de facto, tivesse terreno e nesses 16 anos foi-se implantando, também usando armas, e consigo arrastou pessoas.
O MDM surge numa altura de paz, numa altura em que havia o denominador: ou vota na RENAMO ou vota na FRELIMO. Não foi fácil para o MDM quebrar esta bipolarização. Em seis meses de trabalho conseguimos quebrar a bipolarização e nessas eleições subimos a dobrar. É verdade que a expectativa era muito maior, porque o resultado das eleições municipais indicava que o MDM, se não fosse a fraude generalizada que foi criada, a capital do país, Maputo, teria ficado com o MDM, assim como outras cidades.
DW África: E esta bipolarização política não seria também uma oportunidade para o MDM se apresentar como uma solução pacífica ou uma alternativa a esta luta quase eterna entre a FRELIMO e a RENAMO?
DS: Sim. Mas é preciso ir ao terreno consciencializar a população e é isso que estamos a fazer. Estamos a governar a Beira, Nampula, Gurué e Quelimane e não temos armas. Houve eleições e entregaram-nos esses locais. Penso que o povo começa a fazer uma leitura de que, afinal de contas, não é de armas que se deve viver. É um aspecto importante. A nossa bandeira até hoje tem uma arma. E a pergunta que se coloca é: por que é que hoje ainda precisamos de uma arma na bandeira? O MDM continua a propor que essa arma tem de sair. As populações não podem olhar a arma como alternativa de vida.
DW África: Houve uma imagem do MDM como partido familiar. Isto prejudicou o partido nos últimos anos?
DS: Penso que não. Lutero Simango é o meu irmão mais velho. Já fazia política antes de eu existir como político. Portanto, não se pode desperdiçar essa capacidade humana de fazer política. Penso que não é por aí. O que prejudicou o MDM exactamente foi o roncar das armas. Quando a RENAMO saiu das matas com aquelas pombas todas, a FRELIMO criou toda a heroicidade. A FRELIMO fez tudo a correr porque sabia que era preciso criar a RENAMO do mato para ofuscar o MDM. Foi mais ou menos isso que aconteceu. Em todo o mundo, por exemplo nos Estados Unidos, os filhos do Bush, o Clinton e a mulher, todos fazem política. Penso que não se pode limitar a liberdade de fazer política numa sociedade.
DW África: Vai arriscar uma terceira candidatura à presidência?
DS: A minha primeira candidatura, em 2009, exatamente seis meses antes do início das eleições, foi uma candidatura para puxar o partido. Daviz Simango tinha um nome, havia seguidores do Daviz Simango e era preciso jogar tudo ou nada. E nós decidimos arriscar. Estávamos conscientes que não havia condições de ganhar as eleições presidenciais, mas era preciso dar sustentabilidade e visibilidade ao MDM. E graças a Deus conseguimos, quebrámos a bipolarização, entrámos na Assembleia da República e foi muito bom.
Entrámos nas segundas eleições em 2014 e tínhamos a consciência de que podíamos ir muito longe. Foi, de facto, a primeira candidatura propriamente dita, porque tivemos tempo suficiente para nos prepararmos e lançarmos o nome. Foi aquela situação fraudulenta. Até hoje, o MDM não reconhece essas eleições. Mas como respeitamos os órgãos de justiça, o Conselho Constitucional decretou e nós temos de respeitar. Porque amanhã queremos ser Governo e se existirem problemas similares, ou outros, o que queremos é que as instituições de justiça sejam independentes e que todos os órgãos sejam interdependentes. Se o partido definir que Daviz Simango é o candidato mais seguro, é natural que avancemos. Agora, se o partido achar que existem outras figuras que possam ajudar… Porque o MDM quer ser uma alternativa. Queremos ajudar o nosso povo a sair desta situação que hoje se vive.