Problemas sociais em Angola em cima da mesa
29 de janeiro de 2015Organizam o debate a CEAST, Conferência Episcopal de Angola e São Tomé, e a Mosaiko, Instituto para a Cidadania. Os organizadores do encontro, que tem por objetivo discutir temas sociais, acreditam que é possível diminuir as assimetrias sociais que o país vive e por isso buscam propostas de soluções. O coordenador desta semana de reflexão, Frei Júlio Candeeiro, falou à DW África sobre o assunto.
DW África. Por que foi escolhido o tema do acesso a oportunidade de desenvolvimento para esta Semana Social Nacional?
Frei Júlio Candeeiro (FJC): Deve-se ao facto do crescimento económico a que assistimos na última década não se estar a refletir na vida da maioria dos cidadãos. E pensamos que o desafio de Angola, hoje em dia, é fazer com que o crescimento que se tem vindo a assitir se reverta em bem-estar, porque vamos assistindo a uma grande assimetria, uma grande disparidade entre as poucas pessoas que têm muito e muitas que pouco ou nada têm.
DW África: E o fosso, no que diz respeito ao acesso às oportunidades só cresce a cada dia. Então, um percurso inverso seria como remar contra a maré ou é possível ter uma sociedade mais equilibrada?
FJC: É possível. A organização quiz formular o tema de forma positiva justamente para marcar a convicção de que é possível reverter o quadro - para dizer aos cristãos, em particular, mas à sociedade angolana, de uma maneira geral, que todos podemos trabalhar, e cada um pode trabalhar, para aumentar as oportunidades disponíveis entre todos nós.
DW África: De uma maneira geral, como se pode avaliar o trabalho que a comunidade cristã de Angola tem feito no combate às desigualdades sociais?
FJC: A comunidade cristã tem procurado fazer alguma coisa a favor de maior justiça e mais paz entre nós. O que infelizmente podemos ainda notar são serviços de resposta imediata. A comunidade cristã ainda continua muito assistencialista, através dos serviços da Cáritas, que são legítimos, não questiono a validade do trabalho. Mas eu penso que é altura da comunidade cristã dar um salto seguinte, ou então complementar ao trabalho de assistência, com uma escola, com um posto médico, com campanhas de alimentação para uma pastoral de transformação social, e que se interrogue sobre o porquê destas questões que continuam a existir entre nós - como e o que fazer para que os sistemas não se perpetuem. Vamos citar o famoso ditado chinês: "Em vez de dar a toda hora o peixe à pessoa, vamos dar a cana e ensinar a pessoa a pescar".
DW África: Outro tema na Semana Social Nacional é o papel do jornalismo comunitário na promoção de uma sociedade mais inclusiva. Como isso pode ser possível, se por exemplo há uma limitação na expansão do sinal de rádio no país?
FJC: Não temos uma resposta a esta questão, permanece também uma questão nossa. Convidámos para esta reflexão um jornal que existe há anos, o "Ondaka", do Huambo, e um jornalista na comunidade através do jornal "Ondaka" que esperamos venha a constituir e a promover um verdadeiro espaço de debate entre nós. Mas continuamos a não perceber muitas questões que se colocam à volta da liberdade de imprensa e do sinal da expansão da Rádio Ecclesia e outros projetos televisivos e radiofónicos privados que não vêem a luz do dia por razões que não compreendemos. Então, a Semana Social quer abrir mais um espaço de debate à volta destas questões.
DW África: Agora com a crise económica, resultante da queda do preço do petróleo no mercado internacional, já se começa a olhar para a agricultura como uma área que merece investimento no contexto da diversificação da economia. A agricultura familiar e o combate à pobreza são também temas nessa vossa Semana. Vê agora oportunidades para as comunidades rurais?
FJC: Sempre houve oportunidades, espero que elas sejam vistas por parte dos decisores públicos como oportunidades reais de diminuirmos a insegurança alimentar, combatermos a fome e a pobreza. Ajudou-nos a refletir sobre este tema o diretor geral da AGRA (Aliança da Revolução Verde em África), o senhor Belarmino Gelembe, que conseguiu ajudar os participantes a perceberem que estão ali as oportunidades todas e que é uma questão do Estado passar a olhar para a agricultura familiar não como um destino, facto consumado ou a pré-destinação daqueles pobres que não podem ter acesso a grandes terras, mas como um verdadeiro lugar por onde se começa a diminuir a insegurança alimentar. Penso que agora que se vai começar a rever o Orçamento Geral do Estado (OEG) em função da crise do petróleo, espero que possamos, como país, voltar a olhar de uma forma mais séria e mais realista para o papel importante que a agricultura pode desempenhar em qualquer economia, e de um modo muito especial na nossa que ainda é muito dependente do petróleo.