Procuradoria angolana acusada de pressionar vítimas nas Lundas
1 de julho de 2013Oriunda da província da Lunda Norte, Linda Moisés da Rosa é uma mulher modesta, mas determinada e destemida. Esta camponesa de perto de 50 anos de idade é uma das mulheres citadas no livro “Diamantes de Sangue - corrupção e tortura em Angola”, lançado em 2011, em Portugal, pelo ativista angolano Rafael Marques. No livro são descritos vários casos concretos de mortes e abusos perpetrados por algumas das principais figuras militares de Angola.
A camponesa já pediu explicações às autoridades para o que Rafael Marques classifica de “assassinatos perpetrados por soldados angolanos e por agentes de empresas de segurança, contratados por altos militares ligados ao poder angolano.” Encontra-se temporariamente em Luanda, na tentativa de obter justiça que tarda em chegar.
Os seus dois filhos que morreram nas Lundas faziam apenas o que a família sempre fez ao longo de gerações: garimpar diamantes. “Os nossos filhos cavam diamantes e fazem o garimpo lá desde o tempo colonial”, lembra Linda, recordando que “quando a UNITA [União Nacional para a Independência Total de Angola] lá entrou” o cenário não se alterou. “Os meus filhos e toda a gente cavavam lá. Eles não impediam”, acrescenta.
Mortes violentas
Segundo Linda Moisés da Rosa, a 5 de Dezembro de 2009, uma patrulha de soldados das Forças Armadas Angolanas (FAA) enterrou 45 garimpeiros vivos que se encontravam num túnel a trabalhar. Um dos mortos era o seu filho Marco João.
“Os soldados angolanos foram lá. Assim que chegaram, começaram logo a bater e a terra desabou”, recorda.
A 5 de Fevereiro de 2010, a camponesa perdeu o segundo filho, Kito Eduardo António, morto à catanada por um guarda da empresa de segurança Teleservice, conta Linda Moisés da Rosa. Os guardas terão ficado furiosos com Kito quando este revelou não ter dinheiro para lhes pagar o acesso à mina, insistindo em continuar a lavar o cascalho, para poder depois efetuar o pagamento. Mataram-no com vários golpes de catana na nuca, na testa e no rosto. Depois “pegaram no corpo e meteram-no no Rio Cuango”, conta a mãe da vítima.
PGR prometeu investigações
O jornalista e ativista Rafael Marques registou dezenas de casos graves com este, ocorridos na província da Lunda-Norte, onde se concentram as principais áreas de exploração aluvial diamantífera. Segundo os seus relatos, nesta área os habitantes vivem em regime de quase escravatura e as Forças Armadas e as empresas privadas de segurança protagonizam os crimes com total impunidade.
Em 2012, o jornalista apresentou queixa na Procuradoria Geral da República (PGR) de Angola sobre os alegados abusos, incluindo as mortes dos filhos de Linda Moisés da Rosa.
A Procuradoria prometeu investigar o caso e chegou mesmo a receber a camponesa em Luanda e a registar o seu depoimento. Depois de ter apresentado o caso na PGR, Linda Moisés da Rosa diz que lhe foi oferecido dinheiro para declarar falsamente que a UNITA era a responsável pela morte dos seus dois filhos. “Queriam dar-me dinheiro, mas eu não aceitei”, relata. “Foi o MPLA que me meteu nessa desgraça”, sublinha a camponesa.
Processo arquivado
Poucos meses depois da queixa-crime apresentada por Rafael Marques, a PGR arquivou o processo, no qual estavam implicadas, como acusados, ilustres figuras militares angolanas, como o general Manuel Hélder Dias “Kopelipa”, o general António dos Santos França Ndalu, o general João de Matos e o general Armando da Cruz Neto.
Não foi possível à DW contactar a PGR de Angola. Nem o instrutor do processo, Gervásio Canuênde, nem o procurador adjunto, Sebastião Baxi, se disponibilizaram a confirmar se, de facto, a camponesa Linda Moisés da Rosa foi aliciada a declarar falsamente que “foram elementos da UNITA e não soldados angolanos” que assassinaram os seus dois filhos.
António Cascais
Madalena Sampaio/António Rocha