1. Ir para o conteúdo
  2. Ir para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Projeto coleciona histórias de mulheres no Senegal e no mundo

Ivana Ebel23 de abril de 2012

Contar em vídeos narrados na primeira pessoa histórias de mulheres comuns, mas que tiveram a coragem de quebrar tabus, lutar por liberdades individuais e fazer escolhas diferentes é o foco do blog Clementinas.

https://p.dw.com/p/14dSg
Projeto Clementinas
Foto: Carol Misorelli

Clementinas é um site inspiracional de memórias, como definem as autoras Carol Misoreli, administradora e formada em relações internacionais, e Marília Scharlach, que estudou cinema. Os registros são feitos em vídeo curtos, cuidadosamente editados, e que aproximam o espetador das personagens retratadas.

Na primeira fase, estão no ar seis vídeos produzidos no Senegal. Mas já há outras Clementinas programadas: da Argentina, do Brasil e do mundo. O blog, que pode ser acessado em www.clementinas.org, é um dos finalistas da oitava edição do concurso The BOBs - Deutsche Welle Blog Awards, na categoria Língua Portuguesa.

Tudo começou em África 

As autoras do projeto Carol Misorelli (à esquerda) e Marília Scharlach (à direita)
As autoras do projeto Carol Misorelli (à esquerda) e Marília Scharlach (à direita)Foto: Carol Misorelli

“Clementinas, na verdade, são histórias de mulheres. São mulheres que rompem de alguma forma com uma ideia preconcebida do que significa ser mulher”, explica Carol Misorelli. O projeto começou em 2011 quando as autoras se conheceram durante uma viagem por África e resolveram combinar suas experiências.

“Eu tinha feito uma viagem pelo Senegal e tive contato com um grupo de mulheres. A inspiração veio da tentativa de entender um pouco esse estranhamento que a gente tem, em muitos momentos, do papel de uma mulher dentro de uma determinada sociedade, e as histórias, as formas como elas vivem e que extrapolam esse senso comum do que é ser mulher”, completa.

Carol já trabalhava com o registro de histórias de vida no Museu da Pessoa, em São Paulo, e Marília tinha experiência na produção e direção de vídeos. O interesse mútuo pelas questões femininas, sociais e o desejo de perpetuar a memória de pessoas comuns, porém com grandes histórias, fez com que as duas unissem esforços e é assim que nasce o Clementinas.

Somos todas Clementinas”

Carol Misorelli experimenta a rotina das ruas do Senegal
Carol Misorelli experimenta a rotina das ruas do SenegalFoto: Carol Misorelli

O próprio nome do projeto reflete sua essência. Marília conta que elas buscavam um nome feminino e que representasse as mulheres de forma geral. “Lembrei da história de uma amiga minha, bem próxima, que as duas avós dela chamavam Clementina. Achei esse nome muito bonito e me lembrou um pouco essa história da ancestralidade, das mulheres que vão passando as histórias de geração para geração”, lembra. “Eu e a Carol somos Clementinas. Você também é. Todo mundo é clementina e todo mundo pode estar no nosso projecto em algum momento”, enfatiza.

O site traz as seis primeiras histórias gravadas pela dupla, todas no Senegal. Mas a referência geográfica é apenas uma coincidência: o Clementinas quer conquistar o mundo, mas para isso precisa de parcerias. O trabalho requer paciência, diz Marília. “Esse projeto funciona bem em conta-gotas. A gente vai para um lugar, filma, volta. A gente vai conseguindo aos pouquinhos”.

Por isso, as senegalesas são apenas o primeiro passo e outras personagens devem chegar ao site em breve. As autoras já conversaram com mulheres argentinas e devem, em breve, voltar as lentes também para o Brasil. “A gente quer gravar mulheres do mundo inteiro. A gente já fez uma gravação na Argentina, a gente quer gravar no Brasil, e quer sair entrando em contato com grupos de mulheres para registrar essas histórias”, planeja Carol.

Inspiração para todos

Concentração e trabalho nos bastidores e na produção dos vídeos
Concentração e trabalho nos bastidores e na produção dos vídeosFoto: Carol Misorelli

As autoras deixam claro que Clementinas não é um projeto feminista, “porque ele não está buscando um direito político, o direito das mulheres”, como conta Carol. Elas definem a proposta como um site de inspiração. “A gente quer que as pessoas se inspirem em várias maneiras de ser mulher, em inventar o seu próprio papel”, prossegue.

As histórias reunidas no site têm a intenção de provocar uma reflexão sobre o que significa ser mulher hoje. “Quem são as mulheres hoje, o que as move, o que é o feminino hoje e qual a importância do feminino no mundo hoje”, acrescenta Carol.

Para dar conta disso, as personagens são cuidadosamente escolhidas e contam suas histórias na primeira pessoa, em depoimentos bastante intimistas em que retratam sua visão de mundo.

Senegalesas que fazem a diferença

No Senegal, por exemplo, as autoras buscaram mulheres que se levantaram para questionar os casamentos arranjados ou as relações poligâmicas. “No Senegal, você imagina um papel da mulher mais submisso, mas existem mulheres protagonistas e que estão fazendo a diferença na sua comunidade, no seu grupo. Mulheres que questionam um pouco essa inércia cultural”, avalia Carol.

Marília complementa esse pensamento e define as entrevistadas como mulheres rebeldes e que estão tentando mudar a história. “Tem gente que não quer casar. Tem gente que já casou várias vezes e divorciou”, exemplifica.

Essa incursão nas histórias das senegalesas trouxe à tona reflexões importantes. Por exemplo, quanto à falsa ideia de que a África seria um continente de cultura homogénea. “A gente em geral pensa em África como uma coisa só, mas em cada país da África a coisa funciona de um jeito muito diferente”, observa Marília.

Paralelo entre Senegal e Brasil

Almoço compartilhado na pausa entre as gravações das histórias
Almoço típico do Senegal compartilhado na pausa entre as gravações das históriasFoto: Carol Misorelli

Também é possível estabelecer um paralelo entre as mulheres brasileiras e as senegalesas retratadas no Clementinas. “Acho que as mulheres brasileiras já tem uma liberdade que em muitos lugares lá elas ainda não tem. Só que ao mesmo tempo, quando chegava na casa delas, via que lá as mulheres também tinham uma força dentro de casa muito forte. Quem tomava as decisões eram as mulheres”, observa Carol.

Para ela, esse papel de protagonistas aproxima as mulheres dos dois países: “Cada vez mais as mulheres estão virando uma potência, de resolver as coisas, de dar ordem na casa, de decidir qual vai ser o rumo dos filhos e tudo mais”.

As Clementinas retratadas no blog são mulheres fortes como Mariame Faye, que deu um depoimento emocionado ao falar de uma amiga que casou com um homem que não amava por imposição familiar. Na frente das lentes de Carol e Marília, ela contou a sua história de libertação e deixou como mensagem uma grande certeza: “Depois desse dia eu jurei para mim mesma que nunca deixaria ninguém determinar minha conduta. Mesmo se for pelo meu bem. Afinal, quem é melhor do que eu para julgar o que é melhor para mim?”

Autora: Ivana Ebel
Edição: Madalena Sampaio/António Rocha