Protestos no Burundi - relato na primeira pessoa
Desde que o Presidente Nkurunziza anunciou a recandidatura, a capital do Burundi está em estado de emergência. O fotojornalista da AFP Phil Moore tem acompanhado os protestos em Bujumbura e fala sobre o que tem vivido.
Confrontos previsíveis
Já se sabia que estas eleições no Burundi podiam resultar em confrontos. Há muito que as tentativas do Presidente Pierre Nkurunziza de se candidatar a um terceiro mandato espicaçavam a oposição. Quando o partido no poder anunciou que Nkurunziza era o seu candidato às presidenciais de junho, eu estava no Congo. Fui para o Burundi tão depressa quanto possível.
A primeira vítima
O clima de tensão ora aumenta, ora diminui. No dia 1 de maio, a sociedade civil decretou uma "trégua" durante o fim-de-semana. Essa pausa coincidiu com o funeral de Jean-Claude Niyonzima, que foi morto no primeiro dia dos protestos, 26 de abril. Segundo os familiares, homens armados entraram em casa dele e mataram-no. É-me difícil compreender esta resposta tão brutal ao ato de protestar.
Tiro nas costas
Dois dias depois, estava num pequeno centro de saúde no bairro de Musaga, um epicentro dos protestos. Um jovem chamado Pascal estava a perder muito sangue. Creio que ele tinha levado um tiro nas costas durante confrontos com a polícia. Mais tarde soube que ele tinha morrido. Nessa mesma noite, um porta-voz do Governo disse aos jornalistas que a polícia não tinha usado balas reais.
Trabalho perigoso
Estou habituado a trabalhar em ambientes onde as forças de segurança são bastante mais hostis à imprensa e onde as multidões depressa se podem tornar um perigo. Até agora, isso não tem acontecido, apesar de muitos representantes da ala juvenil do partido no poder se recusarem a ser entrevistados. Uma das maiores precauções de um repórter deve ser estar atento e agir rapidamente.
Nos dois lados das barricadas
Passo muito tempo a falar com a polícia e com os manifestantes. Para tirar fotos que espelhem adequadamente uma situação preciso de entender as dinâmicas por trás dos acontecimentos. Os polícias costumam pedir a minha opinião sobre o que está a acontecer. Do outro lado das barricadas, os manifestantes colocam as mesmas questões.
Indignação e cansaço
Os manifestantes acreditam que Nkurunziza tem o Tribunal Constitucional sob a sua alçada, o tribunal que lhe validou a candidatura. Reina a indignação contra a constante violência policial. É difícil comprar alimentos porque as lojas e os mercados estão fechados. Muita gente fica noites a fio sem dormir por causa da insegurança. Sente-se que as pessoas estão cada vez mais cansadas e frustradas.
Ave maldita
O partido no poder, o CNDD-FDD, que nomeou Nkurunziza como candidato, tem uma águia como emblema. Por isso, os manifestantes pintaram faixas com cruzes vermelhas por cima de aves. A expressão mais horrível deste simbolismo: os manifestantes depenaram o que parecia ser um corvo morto e espalharam as penas pelo ar.
A teatralidade da oposição
Com o avançar dos protestos, cada vez mais jovens começaram a pintar as caras com as cinzas das barricadas. Outros começaram a usar máscaras, algumas feitas de lenços, outras feitas com ramos e folhas. Parece-me que eles as usam mais por moda do que para proteger a sua identidade. A teatralidade desempenha um papel importante no ativismo.
Armas de brinquedo contra armas a sério
Gosto dos momentos de tranquilidade em que consigo captar a atmosfera de um local, sobretudo à luz ténue do amanhecer. Ao andar pelas ruas vazias no bairro de Musaga, vi este homem a dirigir-se a mim. Estas armas de brinquedo são usadas como um símbolo da impotência dos manifestantes face às balas reais.
Reportar as histórias de perto
O britânico Phil Moore é um fotojornalista independente e produtor de conteúdos multimédia. Ele trabalha para a agência de notícias francesa AFP. Vive atualmente em Nairobi. Moore faz a cobertura de situações de conflito, por exemplo, na República Democrática do Congo, Sudão e Síria.