Quando Eusébio era Ruth
3 de maio de 2018Antes de ser Pantera Negra, Eusébio era Ruth. Foi este o nome de código atribuído a Eusébio da Silva Ferreira aquando da sua chegada a Lisboa devido à disputa entre o Sporting Clube de Portugal e o Sport Lisboa e Benfica, dois dos mais destacados clubes do futebol português, em torno do jogador.
O pseudónimo dá também o nome à produção da Leopardo Filmes que chega esta quinta-feira às salas de cinema em Portugal.
"Ruth", uma crítica social ao regime fascista de Salazar, mostra o outro lado das histórias à volta da vida de um adolescente ingénuo vindo de Moçambique, na altura colónia portuguesa, que chega à Metrópole europeia para tentar realizar o seu sonho de ser jogador de futebol, nos anos 1960.
O rapto de Ruth
O filme começa com Eusébio (Igor Regalla), ainda com oito anos de idade, a ouvir um relato de futebol com o seu pai, angolano branco, Laurindo António da Silva Ferreira (Paulo Furtado).
"Um pai ausente põe-no a ouvir o relato de uma vitória do Benfica na Taça Latina, onde o Eusébio ouve o golo do seu ídolo, Rogério Pipi, que foi um grande avançado do Benfica", conta o realizador António Pinhão Botelho.
Há um salto no tempo e o filme transporta-nos para a vinda de Eusébio para Portugal, narrando todo o processo e acontecimentos rocambolescos nos bastidores do futebol entre o Benfica e o Sporting, até o jogador conseguir pisar os relvados.
À sua chegada a Lisboa, Eusébio da Silva Ferreira usa "Ruth" como nome de código. O rapaz vindo de Mafalala, bairro onde nasceu em Moçambique, já era disputado por aqueles dois clubes.
É este o centro de toda a história contada por António Pinhão Botelho. "O Eusébio chega a Lisboa com um nome falso, porque pertencia ao Sporting Clube de Lourenço Marques, a filial de Moçambique do Sporting Clube de Portugal - que foi campeão distrital lá. E dois talhantes benfiquistas avisaram o Benfica que havia ali uma pérola do Índico, uma jóia em bruto prestes a ser colhida. Então, o Benfica com a ajuda de um general do exército vão em missão raptar o Eusébio ao Sporting Clube de Lourenço Marques", explica o realizador.
Pelo meio há também a mão de um outro benfiquista, um funcionário dos Correios que mandou telegramas falsos para o Sporting Clube de Portugal e para o presidente do Benfica.
"Como a PIDE [polícia política portuguesa] e o regime fascista verificavam todas as listas de passageiros que aterravam em Lisboa, Eusébio não podia, de todo, [usar o ] seu nome, porque o Sporting e todas as entidades saberiam", explica Pinhão Botelho.
"Este nome falso foi uma maneira de as pessoas não estarem à espera, porque o Sporting só esperava que ele chegasse a Lisboa 15 dias depois".
O ópio do povo
A história, pensada há cerca de quatro anos, surge por encomenda de um produtor/guionista que durante dois anos fez investigação para escrever o argumento. Segundo António Botelho, é um filme que fala muito pouco sobre o futebol e os momentos de glória do "Pantera Negra".
"É mais um retrato político, social e de costumes da época, porque apanhamos esta história do ópio do povo, do futebol ser uma espécie de escape, quer em Moçambique quer em Portugal, ao regime regime fascista e ao colonialismo, em que as pessoas ficavam focadas no futebol e nas picardias entre o Benfica, o Sporting e o Porto", afirma.
O realizador português pretendia fazer um filme que não falasse só sobre a figura de Eusébio, mas que tratasse de mostrar as facetas do antigo jogador de futebol que ninguém conhece: "O nosso filme retrata o Eusébio até onde nós não o conhecemos. Ou seja, o nosso filme acaba onde a lenda começa".