Quénia: Descendentes de escravos esperam reconhecimento
6 de abril de 2018São nove e meia da manhã e Price Haywood acaba de tomar o pequeno-almoço. Ele está agora à sombra de uma das árvores da sua casa em Frere Town, no norte da cidade costeira de Mombasa, no Quénia.
Haywood é descendente de escravos e sabe na ponta da língua a história da sua família, que é semelhante à da maioria dos escravos que passaram pelo país.
"Eles eram capturados no interior da Tanzânia, no Malawi, na Rodésia do Sul [hoje Zimbabué] e na Rodésia do Norte [hoje Zâmbia] e eram levados para Zanzibar para serem vendidos. Mombasa era um ponto de paragem no trajeto", conta à DW.
Com a abolição do comércio de escravos no Império Britânico em 1807, milhares de homens e mulheres foram libertados para que pudessem retomar as próprias vidas.
Muitos foram resgatados pela Marinha Real britânica ao largo do Oceano Índico e realojados em Frere Town. O nome deste local é uma forma de homenagem e agradecimento a Bartle Frere, o britânico que aboliu o tráfico de escravos no Zanzibar.
"Os escravos aprenderam trabalhos técnicos de alvenaria, medicina, ensino e, depois, juntaram-se a outros escravos aqui, ensinando-lhes medicina, construção, línguas. Alguns foram até Kampala", acrescenta Haywood.
Falta de reconhecimento
Apesar de ter vivido no Quénia a vida toda, Price Haywood e os outros descendentes de escravos não são reconhecidos oficialmente pelo Governo queniano como parte dos mais de 40 grupos étnicos que constituem o país.
"Um dos problemas que temos é o cartão de identificação. Não podemos dizer que somos nyasa, mgindo, mnyamwezi, porque dizem-nos que no Quénia não existem essas tribos", afirma Fredrick Uledi, de 83 anos. "Durante o censo populacional, fomos considerados 'outros', pessoas que não são reconhecidas".
Preservar a memória
Em 2014, Amir Thoya, um membro da assembleia municipal de Mombasa e representante da comunidade de Frere Town, levou ao Parlamento queniano a questão dos descendentes de escravos. Além do reconhecimento como parte integrante do país, eles querem ser compensados pelo Governo britânico pelas violações dos direitos humanos. Mas até hoje, esse reconhecimento não chegou.
Aos 74 anos, Price Haywood visita com regularidade cibercafés para consultar informação online sobre a época da escravatura. Imprime a informação que recolhe e arquiva-a como numa espécie de manual.
"Criei este livro para poder saber mais sobre a história de Frere Town e para ensinar aos mais novos os nossos antepassados. Ainda hoje vou à Internet à procura de livros sobre a história de Frere Town ou do acordo de Bartle Frere sobre o comércio de escravos. Quando chegar a altura de lutarmos pelos nossos direitos, teremos referências de livros sobre o que aconteceu", diz.