Rafael Marques quer partilhar a verdade sobre as Lundas
12 de março de 2012Desde 5 de março estão a ser ouvidas as testemunhas sobre os casos de violações dos direitos humanos na extração de diamantes nas províncias das Lundas, no Leste de Angola. O Ministério Público angolano já ouviu familiares das vítimas e vários generais ligados à produção mineira, que se fizeram representar por advogados.
Nesta quarta-feira (14.03) é a vez de Rafael Marques ser ouvido. O jornalista e ativista angolano dos direitos humano tinha apresentado, no passado dia 14 de Novembro, uma queixa na Procuradoria-Geral da República por alegados "crimes contra a humanidade" na extração mineira. Rafael Marques também é autor do livro "Diamantes de Sangue. Corrupção e tortura em Angola" sobre o mesmo tema. A Deutsche Welle (DW) falou com Rafael Marques, numa antevisão à audiência na Procuradoria-Geral da República.
Deutsche Welle (DW): Qual é a mensagem central que pretende passar neste dia 12 de março?
Rafael Marques (RM): A minha mensagem é muito simples: é partilhar a verdade e os factos que eu testemunhei e que recolhi naquela zona [Lundas] e educar as autoridades sobre uma realidade que é gravíssima.
Coincidentemente, o presidente foi às Lundas, na sexta-feira passada (09.03) e foi lá dizer que os diamantes não servem sequer para construir um quilómetro de estrada, que não dão absolutamente para nada. O que criou ainda mais fúria junto da população daquela região.
E também o Presidente foi dizer que os lundas estão a enviar os filhos para o exterior do país para serem educados e para virem para cá com ideias europeias. E o Presidente esquece-se que todos os seus filhos estudaram fora ou estudam em escolas estrangeiras, mesmo os mais novos estudam na escola francesa em Luanda.
Então [o que eu pretendo] é ir falar com as autoridades sobre aquilo que se passa.
Já lá estiveram várias testemunhas [na Procuradoria-Geral da República], inclusive até uma das senhoras que perdeu dois filhos, um que foi morto pelas Forças Armadas Angolanas, foi enterrado vivo. Esta senhora saiu muito desiludida da investigação que lhe foi feita porque, segundo ela, pediram-lhe para acusar a oposição, a UNITA [União Nacional para a Independência Total de Angola] como sendo responsável pela morte do seu filho, quando ela insistia que sabia quem o tinha morto.
DW: Acha que com o início deste processo e com a atenção mediática que a situação na região das Lundas melhorou?
RM: A situação está longe de melhorar, mas alguns passos importantes já foram tomados. Por exemplo, eu já recebi a informação de que, na região do Cuango, que é a região mais afetada pela violência, a empresa de segurança Teleservice, a principal responsável pelos atos de tortura naquela região, começou a retirar todo o seu pessoal e a substituí-lo, em alguns casos, por nativos, como forma de diminuir não só os níveis de violência, mas também de afastar da região as pessoas que, diretamente, estão envolvidas nestes abusos. Mas isso não é suficiente.
DW: E acha que há realmente a chance para uma investigação aberta e séria dos casos?
RM: Quando eu apresentei a queixa eu sabia exatamente e tenho consciência do tipo de autoridades que governa Angola. O sistema judicial não é independente. A Procuradoria-Geral da República continua a ser uma dependência da presidência da República, por lei. O Procurador-geral da República só pode fazer aquilo que o Presidente ditar.
DW: Parece contraditório ver que, por um lado, esse processo arrancou e que, pelo menos, há uma possibilidade de falar sobre os casos e que, por outro lado, a última manifestação, no sábado (10.03), foi reprimida com a maior violência até agora notada neste tipo de manifestações. Acha que há algumas tendências contraditórias no seio do regime angolano neste momento?
RM: Não há tendências contraditórias. O Presidente visitou as Lundas e era preciso mostrar que algo mais estava a acontecer. Não há contradição porque é um regime autoritário e continuará a ser autoritário até abandonar o poder. Simplesmente vai exercendo algumas ações para ganhar tempo. E essa é uma daquelas ações, porque há aqui um perigo real, é que o caso das Lundas é um caso que pode parar junto das instâncias internacionais, por haver provas provas, testemunhas e vítimas suficientes para explicarem o que, realmente, se passa em Angola.
Na eventualidade até de haver mudanças, um dia, alguns desses generais podem vir a ter problemas de circulação na Europa, nos Estados Unidos e noutros lugares onde guardam grande parte dos seus bens, porque os crimes contra a humanidade não prescrevem. E mesmo daqui a 20 anos, alguns deles podem ser chamados a responder.
Autor: Johannes Beck
Edição: Glória Sousa / Helena Ferro de Gouveia