Deportação de moçambicanos: Que tipo de "irmão" é Tanzânia?
9 de novembro de 2020Mais de 900 refugiados moçambicanos na Tanzânia, que fugiram dos ataques terroristas na província de Cabo Delgado, norte de Moçambique, começaram a ser repatriados desde setembro, segundo o secretário de Estado da província, Armando Ngunga.
"Aqueles moçambicanos estão a ser devolvidos compulsivamente para Moçambique. Não é [repatriamento] coordenado, é compulsivo", assegura.
E o secretário de Estado conta: "E uma vez cá, estão a ser acolhidos por nós, demos comida e acomodação enquanto fazemos o trabalho para entender para onde querem ir".
Contudo há desafios, Armindo Ngunga diz que "por causa da Covid-19, ficam lá na fronteira em quarentena e depois os levamos para o sítio [escolhido]. Mas ainda temos o terrorismo cá".
Onde ficaram os "laços históricos de sangue"?
Justamente por isso há motivos para questionar porque o "país irmão" não se manifesta, temporariamente, tolerante para com Moçambique, que vive dificuldades no contexto do terrorismo.
É normal o comportamento da Tanzânia? "O comportamento da Tanzânia é estranho, como um país irmão", responde Calton Cadeado, especialista em paz e segurança.
E o académico conta que "este não é o único país que se comporta assim em relação a Moçambique. A África do Sul também tem estado a fazer um repatriamento compulsivo de cidadãos moçambicanos no âmbito do coronavírus. E isso dificulta a relação entre Moçambique e a África do Sul".
Mas Cadeado alerta que "é preciso perceber um pouco a razão do comportamento destes dois países". "É que ambos os países estão a enfrentar crises domésticas e precisam de encontrar por si próprios", considera.
E o especialista não descarta a hipótese de crises político-diplomáticas entre os vizinhos. Mas na SADC, a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, uma das regras invioláveis é nunca deixar "transpirar" as suas querelas internas, o que contribui para sua consolidação e respeitabilidade.
Desvalorização de tratados de proteção de refugiados?
Contudo, há valores maiores, universais, como o respeito pelos direitos humanos. Este repatriamento compulsivo é uma violação aos tratados internacionais de proteção aos refugiados, dos quais a Tanzânia é signatário.
Juliana Dhagi é responsável de relações públicas do ACNUR, a agência da ONU para os refugiados, em Pemba, e confirma o repatriamento.
"E foi reportado que o grupo está em Negomano, distrito fronteiriço em Mueda", diz.
De sublinhar que o ACNUR, na sua página online, recomenda que seja concedida proteção a pessoas provenientes de países devastados por conflitos armados ou em situações de violência generalizada, o que é o caso.
E no terreno a agência da ONU para os refugiados vai prestando o seu apoio, de acordo com Juliana Dhagi. "O ACNUR participou de uma missão de segurança em Negomano e além disso faz parte de uma missão inter-agência que vai ser planeada dentro do humanitary country team".
Trata-se de uma plataforma onde se reúnem as agências da ONU e ONGs para compartilhar estratégias de como dar uma melhor resposta de emergência.
E os números crescem...
Enquanto isso, o Governo moçambicano vai acolhendo os "seus", fazendo o que pode, de acordo com o secretário de Estado de Cabo Delgado, Armindo Ngunga.
"E os números sobem, os tanzanianos disseram [inicialmente] que eram 352 pessoas, mas quando fomos contar cabeça a cabeça descobrimos que eram 836 pessoas".
E não é tudo, conta Ngunga: "Depois disso tem estado a aparecer mais 10, mais 20... E agora estamos com pouco mais de 900 pessoas e vamos gerindo a situação da mesma forma que estamos a gerir os deslocados internos. Damos comida, assistência de saúde e outras coisas".
A DW contactou o Instituto Nacional de Apoio ao Refugiado (INAR) para obter informação mais detalhada sobre o caso, mas o seu diretor, Cremildo Abreu, recusou-se a falar e remeteu-nos ao departamento de comunicação e imagem do Ministério do Interior.