Repressão sufoca protestos e faz feridos em Angola
12 de março de 2012Ainda é desconhecido o número exato de vítimas e de detenções registadas, no sábado (11.03), tanto na capital angolana como em Benguela (cidade do centro litoral angolano), na sequência de incidentes que ocorreram quando jovens do autodenominado Movimento Revolucionário Estudantil se tentavam manifestar.
Mas é público que um dos feridos da tentativa de manifestação em Luanda foi Filomeno Vieira Lopes, secretário-geral do partido extra-parlamentar da oposição angolana Bloco Democrático (BD), a única força política que tentou participar no protesto. Da agressão a Filomeno Lopes, terá resultado, segundo a agência Lusa, uma fratura no braço esquerdo, um golpe profundo na cabeça e equimoses em todo o corpo.
O secretário-geral do BD alega que a agressão foi instigada pela Polícia Nacional. E o economista anunciou já, à agência Lusa e à estação televisiva portuguesa RTP, que vai apresentar queixa do ocorrido junto de instâncias nacionais e internacionais.
Também Luaty Beirão, o conhecido "rapper" angolano Ikonoclasta, sofreu ferimentos na cabeça, quando tentava participar nos protestos em Luanda.
Entretanto, a Polícia Nacional angolana prometeu, este domingo (11.03), investigar as agressões ocorridas, no sábado, em Luanda.
Bastonadas, armas brancas e cabos elétricos
Os manifestantes foram, alegadamente, dispersados à bastonada quando se tentavam concentrar num local conhecido por Tanque do Cazenga, em Luanda. Depois terão tentado chegar à Praça da Independência, no centro da capital, em pequenos grupos.
Mas as tentativas de realizar a manifestação saíram goradas, devido a incidentes. Segundo a agência noticiosa Lusa, vários civis armados, com armas brancas e cabos elétricos, tentaram controlar os acessos à Praça da Independência e bateram nalguns jovens, enquadrados por um forte dispositivo de polícias a pé.
No anunciado protesto, organizado por jovens do designado Movimento Revolucionário Estudantil, previa-se a participação de dirigentes de vários partidos da oposição angolana. No entanto, o único líder político que aderiu à iniciativa, Filomeno Vieira, ficou ferido.
A anunciada manifestação exigia o afastamento de Suzana Inglês da presidência da Comissão Nacional Eleitoral (CNE) e a demissão do Presidente José Eduardo dos Santos, há 32 anos no poder.
Recorde-se que a nomeação de Suzana Inglês para a presidência da CNE já desencadeou uma série de iniciativas dos três maiores partidos da oposição, nomeadamente, da UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), PRS (Partido de Renovação Social) e FNLA (Frente Nacional para a Libertação de Angola).
Aquelas forças parlamentares interpuseram já uma providência cautelar junto do Conselho Superior da Magistratura Judicial e do Tribunal Supremo de Angola que foi, contudo, rejeitada.
“Abaixo os corruptos!”
Também em Benguela, no litoral centro de Angola, se ouviram vozes de protesto no sábado (11.03): “Abaixo os corruptos! Abaixo Suzana Inglês! Nós queremos guerra? Não! Abaixo José Eduardo!”. Foram estes os gritos de cerca de 50 jovens no Largo da Peça em Benguela.
Mas de modo semelhante ao que aconteceu em Luanda, também naquela cidade, a manifestação antigovernamental não chegou, de facto, a ser realizada porque a Polícia de Intervenção Rápida com a colaboração de agentes à paisana, alegadamente afetos aos serviços secretos angolanos, dispersaram o grupo de jovens.
A intervenção das autoridades resultou ainda na detenção de um dos rostos da manifestação, Hugo Calumbo, de Jesse Lufendo, observador dos direitos humanos da Organização Não Governamental (ONG) Omunga, que acompanhava a concentração, e ainda de Samalata, jornalista da Rádio Despertar, segundo a agência Lusa.
Ainda antes da sua detenção, Hugo Calumbo queixou-se de perseguição e de ameaças: “ainda não gritamos abaixo o MPLA [Movimento Popular de Libertação de Angola, o partido no poder], ainda não gritamos abaixo José Eduardo dos Santos, ainda não gritamos também abaixo a corrupção, (…) nós ainda não começamos a andar e já estamos a ser perseguidos, já nos estão a ligar, ameaçando-nos de morte. Já estão a ligar a todas as nossas famílias para que sirvam de intermediários, no sentido de nos fazerem recuar nas nossas atitudes”.
Apesar dessas ameaças, Hugo Calumbo mostrava-se sólido na sua convicção: “nós estamos firmes, vamos continuar até onde der! Vamos aguentar essas consequências porque estamos a realizar uma atividade pacífica”.
Tudo preparado para um "banho de sangue"
De acordo com Armindo Sardinha, membro do secretariado do partido extra-parlamentar BD em Benguela, “tudo estava preparado para uma espécie de banho de sangue; devido ao aparato o pior podia ter acontecido”. Nesse sentido, Armindo Sardinha lança a acusação: “esta polícia parece ser mais uma polícia privada do que um órgão do estado angolano a atirar sobre os jovens”.
Também o coordenador da ONG Omunga, José Patrocínio, criticou a atuação das autoridades perante a tentativa de manifestação. Na opinião de José Patrocínio, “o governo, a polícia e outros grupos, não deveriam usar a força para tentar impedir a manifestação”.
O responsável pela ONG Omunga mostrou-se preocupado com a detenção de Jesse Lufendo, da mesma organização, explicando que “com o estatuto de observador da comissão africana, com legitimidade e com a responsabilidade perante a comissão africana estava presente na manifestação, com os seus ativistas, para poder acompanhar, retirar informações a prestar à comissão africana. E é neste papel que estava Jesse Lufenfo”.
Entretanto, o maior partido da oposição angolana, UNITA, exprimiu esta segunda-feira (13.03), através de comunicado, a sua "grande repulsa" pela forma "brutal" como foram reprimidos os jovens que no sábado (10.03) pretendiam realizar uma manifestação antigovernamental.
Autor: Nélson Sul d'Angola (Benguela) / com Lusa
Edição: Glória Sousa / Helena Ferro de Gouveia