1. Ir para o conteúdo
  2. Ir para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Rússia planeia base militar em Moçambique, diz relatório

Márcio Pessoa
13 de agosto de 2020

Relatório secreto do Ministério do Exterior alemão revela que Rússia terá planos para instalar bases militares em 6 países africanos, incluindo Moçambique. Apoiar interesses privados pode ser objetivo, diz pesquisador.

https://p.dw.com/p/3gtbt
Presidente moçambicano, Flipe Nyusi, encontrou-se com o homólogo russo, Vladimir Putin, em Moscovo, em agosto de 2019Foto: Reuters/Sputnik/A. Nikolsky

O jornal alemão Bild diz ter tido acesso a um relatório secreto do Ministério do Exterior alemão intitulado “África como prioridade máximateve acesso a um relatório secreto do Ministério do Exterior alemão intitulado "África como prioridade máxima", que revelaria planos da Rússia de intensificar a cooperação militar com países africanos como parte da sua nova estratégia para o continente. O texto descreve um projeto de instalação de bases militares na República Centro-Africana, Egito, Eritreia, Madagáscar, Moçambique e Sudão.

O professor de estudos de segurança e estudos estratégicos Emílio Zeca mostra-se céptico em relação à instalação de uma base militar estrangeira em Moçambique. "O Estado moçambicano, desde a proclamação da sua independência, em 1975, experimentou várias situações de aliciamento e de pressões para instalação de bases militares [estrangeiras]. Todavia, o Estado moçambicano nunca respondeu nem positiva nem negativamente. Simplesmente abdicou. E nos estudos diplomáticos nós sabemos que uma não resposta é uma resposta negativa", explica o académico.

"O segundo aspeto tem respaldo na Constituição da República. Está no artigo 22 da Constituição que Moçambique segue uma política de paz e preconiza que o Oceano Índico não pode ser transformado numa zona nuclearizada ou numa zona de instalação de bases militares. A questão das bases militares estrangeiras, russas ou de outros Estados, é um ‘não assunto' na nossa diplomacia", nota.

Quais as intenções russas?

Para Pedro Seabra, pesquisador do Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa, a notícia faz parte de um novo período russo de extrema vontade política para voltar a ser um ator geopolítico em África e competir por influência em todas as dimensões possíveis - inclusive a militar.

Portugal Pedro Seabra, Politikwissenschaftler und Forscher am Instituto Universitário Lisboa
Pedro Seabra, investigador do Instituto Universitário de LisboaFoto: Pedro Seabra

Por outro lado, Seabra ressalta três pontos de cautela ao analisar a informação sobre a instalação de bases militares. "A primeira é que o relato apenas menciona a possibilidade de construir bases militares em África, no âmbito da assinatura desses tratados. Portanto, não se confirma a existência ainda", afirma.

"O segundo ponto é que temos que talvez discutir um pouco o próprio conceito de base militar. Atualmente, talvez não se equaciona tão diretamente a uma visão clássica do que seria uma base militar. O mais provável é que estejamos aqui a falar de interpostos ou de postos logísticos até para facilitar uma certa pegada continental russa", pondera o pesquisador.

"E, o último deles, é se, de facto, é uma decorrência normal. É algo que costuma ser previsto neste tipo de acordo de cooperação militar e, portanto, não é, em si mesmo uma novidade - quando comparado com outras potências externas a África, quando tentam estabelecer este mesmo tipo de relações", explica.

Militares russos em Cabo Delgado?

Seabra comenta se pode haver uma presença russa maior do que a já noticiada, sobre grupos armados privados [Grupo Wagner] atuando em Cabo Delgado. O pesquisador lembra que causou bastante surpresa a presença de um grupo militar russo no norte de Moçambique que tem natureza privada, mas vínculos ao Kremlin.

Mosambik Cabo Delgado | Angriffe von Islamisten
Ataques de insurgentes em Cabo Delgado intensificam-seFoto: AFP/M. Longari

O facto de ter sido noticiado pela imprensa alemã que teriam ocorrido negociações e discussões ao mais alto nível para dar mais cobertura material e logística a este apoio russo, segundo Seabra, permite que "se perceba um pouco mais este tipo de relações" entre os países. Mas ele também apresenta algum ceticismo sobre a instalação de mais efetivo militar russo numa base em Moçambique.

Interesses privados

"Eu diria que é muito mais provável que esta mesma "base" (lato sensu) possa estar mais a proporcionar apoio e cobertura a interesses privados russos do que a propriamente abrir caminho para uma presença militar russa em Moçambique", interpreta Pedro Seabra.

"Esta notícia, na verdade, dá uma corroboração à tendência crescente de internacionalizar um pouco a discussão referente a Cabo Delgado e sobre quem, que países, que organizações podem eventualmente já estar no terreno ou podem vir no futuro a proporcionar apoio face ao que estar a acontecer", analisa o pesquisador. 

O relatório divulgado pela reportagem do jornal Bild destaca que desde 2015, a Rússia assinou acordos de cooperação militar com 21 países em África. Na primeira metade da década, tinha apenas quatro acordos de cooperação militar em todo o continente.