Schwäbisch Hall: do El Dorado à realidade
2 de fevereiro de 2013A crise financeira em Portugal já fez com que dezenas de milhares de pessoas deixassem o país à procura de uma vida melhor. Os portugueses tentam a sua sorte um pouco por todo o lado. Muitos tentam arranjar trabalho em Angola, em Moçambique ou no Brasil. Há também quem tente ir para a Alemanha.
Há um ano, um artigo publicado no jornal português Diário Económico e uma reportagem da televisão privada TVI fizeram com que, de um momento para o outro, uma pequena cidade no sul da Alemanha passasse a ser o foco das esperanças dos portugueses.
No artigo do jornal, dizia-se que a cidade alemã, Schwäbisch Hall, precisava desesperadamente de trabalhadores qualificados e que os empregos "corriam atrás das pessoas". Mais de 15 mil pessoas enviaram uma candidatura espontânea. Um ano depois, cerca de 40 portugueses vivem em Schwäbisch Hall. Muitos vieram a descobrir que a cidade não era o El Dorado que tinham imaginado.
Pedro, o engenheiro
Pedro Santos nunca pensou que, tão rápido, começasse a sua carreira internacional. Num espaço de um ano, o jovem português deixou Portugal e está agora a trabalhar no quarto andar de uma empresa na Alemanha que constrói ventiladores e motores elétricos.
O engenheiro mecânico de 29 anos tinha trabalho em Portugal, ao contrário de muitos outros jovens da sua idade. E pensava inclusive em criar um negócio. Mas Pedro leu um artigo online de um jornal português e a ideia de deixar o país começou a ganhar asas. "Sempre quis ter uma experiência internacional. Sobretudo num país europeu. E então decidi, por que não?", recorda.
O artigo que Pedro leu falava sobre Schwäbisch Hall, uma pequena cidade no sul da Alemanha que precisava de trabalhadores qualificados. A região tem cada vez mais dificuldades em encontrar técnicos alemães – muitos não querem deixar as grandes cidades. Além disso, a população na Alemanha vai envelhecendo cada vez mais.
A Ziehl-Abegg, onde Pedro trabalha, estava listada no texto como uma das empresas interessadas em contratar novos trabalhadores. Depois de ler o artigo, o jovem engenheiro decidiu enviar um currículo. Portugal não tinha nenhuma empresa do género, diz. E trabalhar na Ziehl-Abegg seria uma boa oportunidade de carreira.
Pedro chegou em setembro. Ele é um dos dois portugueses que ficaram na empresa, depois do jornal Diário Económico ter publicado a reportagem. Ainda assim, isso corresponde a uma ínfima percentagem das candidaturas que chegaram à empresa por e-mail só de Portugal: 800 só na primeira noite. Ao todo, foram 1500 candidaturas.
O artigo tinha desencadeado a avalanche de mensagens. Rainer Grill, relações públicas da Ziehl-Abegg, diz que nunca a empresa tinha passado por algo assim.
"A nossa colega que faz o recrutamento internacional teve de trabalhar durante o fim de semana e fazer horas extraordinárias todos os dias", conta Grill.
Falta de trabalhadores qualificados
Para ir da localidade em que Pedro trabalha até ao centro de Schwäbisch Hall é preciso viajar cerca de 40 minutos de autocarro.
Lá fora, estão 4 graus. A neve que cobre as árvores e os rochedos começa a derreter. O branco do gelo volta a conceder terreno ao verde da vegetação.
A paisagem que aparece meio desfocada pelos vidros do autocarro é pontuada por casas típicas alemãs. Barrotes de madeira escura riscam as paredes brancas na horizontal, vertical e diagonal. Volta e meia, surge o cimento e o metal de uma ou outra fábrica a ocupar grandes extensões de terreno.
Nesta região, muitas das empresas continuam a ser detidas por famílias. É daqui que sai uma grande parte das exportações alemãs para o estrangeiro, que são o pilar da economia do país. Mas tem sido difícil encontrar trabalhadores qualificados que queiram trabalhar aqui.
"Há dois ou três anos que se fala em falta de mão de obra qualificada", constata Robert Gruner, assessor de imprensa da Câmara Municipal de Schwäbisch Hall. "Nós somos fortes a nível económico. Somos uma região atrativa, com uma grande oferta cultural. A paisagem é bonita. E sabíamos que havia muitos lugares livres nas empresas. Por isso, convidámos jornalistas de Portugal, da Itália, da Espanha e da Grécia para divulgar a nossa região."
Depois da visita, começaram a ser publicados os primeiros artigos: na Grécia, na Espanha, em Portugal. Depressa a caixa de correio eletrónico do Centro de Emprego de Schwäbisch Hall entupiu com e-mails de portugueses.
Avalanche de e-mails
Christian Eydam, do Centro de Emprego, ainda se lembra de como tudo aconteceu: "As mensagens chegavam de segundo a segundo no primeiro dia. Nos primeiros três dias tivemos 3500 e-mails. O que a dada altura fez com que o sistema informático bloqueasse. Em meio ano, chegámos às 15 mil candidaturas."
Ainda hoje há candidaturas. Mas não no mesmo número, acrescenta Eydam, com um certo alívio.
"Nunca pensámos que chegassem tantas candidaturas", refere Robert Gruner, da Câmara Municipal da cidade. "Quando os primeiros portugueses chegaram aqui ao escritório, ficámos surpreendidos."
Nesta perspetiva, a campanha foi um sucesso para a cidade, diz. Schwäbisch Hall conseguiu o que queria – candidaturas. Ao mesmo tempo, jornais, rádios e televisões de todo o mundo ficaram interessados na história da cidade alemã. A cadeia britânica BBC, o jornal norte-americano Washington Post e mesmo meios de comunicação da África do Sul ou do Japão escreveram sobre o assunto.
O jornalista Thumilan Selvakumaran trabalha para o jornal local Haller Tagblatt e acompanhou a história desde o início. "Recebi quase todos os dias chamadas de jornalistas de televisão, de jornais e de apresentadores de rádio", lembra. "Eles também vieram aqui. Havia entrevistas todos os dias. Na cidade, volta e meia avistavam-se equipas de televisão."
Salários de 8000 euros?
Mas porque houve tantas candidaturas de Portugal e não da Grécia? O jornalista só percebeu a razão para o interesse massivo dos portugueses em Schwäbisch Hall quando olhou para a reportagem do Diário Económico.
O artigo descrevia a cidade como um local em que "os empregos correm atrás das pessoas". Um engenheiro poderia ganhar entre seis a oito mil euros brutos, afirmava ainda.
Quem lia o artigo poderia pensar que Schwäbisch Hall seria uma versão alemã do El Dorado. Os portugueses criaram expectativas.
Segundo Robert Gruner, da Câmara Municiapl de Schwäbisch Hall, "no que diz respeito às remunerações, a jornalista usou números que talvez possam ser verdade para Estugarda ou Munique, mas não para Schwäbisch Hall. Por outro lado, a jornalista referiu que poderiam não ser precisos conhecimentos de alemão – isso criou expectativas que não podiam ser preenchidas. Porque é natural que se precise de falar alemão em quase todos setores. A não ser que se trabalhe numa empresa internacional."
Ao todo, só 4% dos 15 mil candidatos tinham conhecimentos de alemão, segundo o Centro de Emprego.
Luís, o ex-contabilista
Luís Simões foi um dos portugueses que, sem falar a língua, se despediu por algum tempo da mulher e dos dois filhos em Portugal e arriscou começar uma nova vida na Alemanha.
Dois dias depois de ler o artigo no Diário Económico, o contabilista português de 49 anos diz ter feito as malas e comprado o bilhete de avião para a Alemanha. Luís chegou a Schwäbisch Hall em março.
"A situação económica em Portugal não está nada boa. E a tendência é, de certa forma, para se agravar. Eu corria o risco de, daqui por uns meses ou um ano, não conseguir dar saída aos meus compromissos. E o mais importante é manter a minha família", diz.
Luís encontrou rapidamente trabalho em Schwäbisch Hall. No dia a seguir a ter chegado, o Centro de Emprego arranjou-lhe logo uma colocação como motorista. Mais tarde, Luís foi trabalhar para o armazém de uma empresa de distribuição.
Difícil alemão
Entretanto, a sua família já veio de Portugal. A sua mulher está agora a tentar encontrar um emprego. Uma das grandes dificuldades de Luís foi arranjar uma casa. Outra foi aprender a falar o alemão: "Foi extremamente difícil. Aliás, neste momento ainda é difícil porque, devido aos turnos que tenho na empresa, ainda não tive possibilidades de me inscrever num curso de alemão."
Aprender a língua está também a ser um desafio para o jovem engenheiro mecânico português, Pedro Santos. Apesar de não precisar de falar alemão no trabalho, Pedro lembra que saber falar a língua é crucial para as tarefas do dia a dia – mesmo quando se vai às compras ao supermercado, para evitar passar horas a fio à procura de determinados produtos.
"É muito importante uma pessoa estar completamente integrada. E para isso precisamos de saber falar alemão", refere. "Se não aprendermos a língua é difícil viver aqui."
Regressar a Portugal… só mesmo para passar férias, diz Pedro. Pelo menos, nos próximos cinco anos trabalhar em Portugal está fora de questão. Só se o país mudar muito, concede. Na Alemanha, Pedro está acompanhado pela mulher. Ela está, neste momento, a ter aulas de alemão. Saudades, o engenheiro mecânico só tem de algumas coisas…
"Falta-nos o mar e falta-nos o peixe português. São as únicas coisas de que sentimos alguma falta. Estamos bem aqui, sentimo-nos bem."
Cidade não vai preparar nova campanha
Entretanto, será que a cidade está a pensar fazer, de novo, uma campanha como a de um há um ano atrás? A resposta da Câmara Municipal é clara: não.
"Temos de ter cuidado quando lançarmos algo novo", refere o porta-voz Robert Gruner. As jornalistas grega e portuguesa estiveram aqui outra vez em Schwäbish Hall e a Câmara fez um balanço do último ano. "Mas também sublinhámos: se escreverem, de novo, um artigo em que façam menção à região devem salientar que são precisos conhecimentos de alemão. E que as pessoas se devem candidatar a anúncios de emprego e não pela sua própria iniciativa."
Durante a visita à cidade, a jornalista portuguesa do Diário Económico sublinhou que, há um ano, o escreveu foi que só nalguns setores não seria preciso falar alemão. Por exemplo, no caso dos engenheiros ou dos programadores. Noutras áreas, falar a língua já seria necessário, disse, citada pelo jornal local Haller Tagblatt. A jornalista prometeu que vai enfatizar o problema da língua numa próxima reportagem.
Autor: Guilherme Correia da Silva (Schwäbisch Hall)
Edição: António Rocha