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Seca no sul de Angola: "Que tipo de humanidade temos?"

Nelson Camuto (São Paulo)
29 de março de 2022

À DW, o padre Jacinto Pio Wacussanga tece duras críticas ao Governo por, na sequência da grave seca no sul de Angola, não ter declarado o estado de emergência. Perto de 100 pessoas podem ter morrido à fome, diz.

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Foto: G. Correia da Silva/DW

O Governo angolano estima que mais de 867 mil pessoas "continuam assoladas" pela seca e fome na província do Cunene, no sul do país.

Na semana passada, o vice-governador para o setor Político, Social e Económico do Cunene, Apolo Ndinoulenga, disse que os números "são muito administrativos porque a situação, a nível da província, agudiza-se cada vez mais".

Cunene, Cuando Cubango, Huíla e Namibe são as províncias de Angola mais afetadas pelas secas cíclicas. As consequências refletem-se na vida das populações locais, que enfrentam escassez de água e de alimentos.

Em entrevista à DW África, Jacinto Pio Wacussanga diz que é preciso levar ajuda humanitária às vítimas da seca o mais depressa possível. E compara o atual apoio do Governo a "uma gota no oceano".

O padre angolano, responsável da Associação Construindo Comunidades, frisa ainda que declarar o estado de emergência no sul do país "permitiria a entrada de agências internacionais, que ajudariam a mapear o problema".

DW África: Quais são os principais desafios da população?

Jacinto Pio Wacussanga (JPW): Temos a questão da alimentação, temos a questão da má nutrição nos seus diferentes graus, quer a severa, quer a moderada, sobretudo nas crianças dos seis aos 59 meses. Temos falta de água potável, falta de apoios para as pessoas terem as suas iniciativas, estimuladas por pequenos projetos de transição. Creio que a lista de pessoas que perderam a vida por falta de alimentos já está perto das 100.

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DW África: O estado de emergência tem sido pedido constantemente pelas organizações não-governamentais no sul de Angola. Porque é que o Estado não o decretou ainda?

JPW: Não temos resposta. Isto não coloca em risco a soberania do país, antes pelo contrário. Permitiria a entrada de agências internacionais que ajudariam a mapear o problema e fazer uma assistência integral e multidisciplinar. Quem está a acompanhar a crise causada pela Rússia na Ucrânia dá conta, por exemplo, do modo como os refugiados ucranianos são relativamente bem recebidos do outro lado, têm um chá quente à espera. Quando isto acontece connosco, perguntamo-nos que tipo de humanidade temos para não permitir que haja estado de emergência.

DW África: A escassez de água e alimentos é um problema cíclico e estamos em ano de eleições. O apoio prometido pelo Governo tem chegado às pessoas?

JPW: Em termos de alimentos, não. Estão agora a ser terminados três canais que vão levar água a uma parte das pessoas no Cunene, mas é uma gota no oceano. Enquanto isto se refere a medidas a médio/longo prazo, devia haver medidas a curto prazo para dar alimentos. Mas eu tenho quase a certeza que, pouco antes das eleições, vão inundar as aldeias de alimentos para terem o voto de confiança das pessoas.

DW África: Há alguma estimativa do número de pessoas no Cunene vítimas da seca, em risco de fome?

JPW: [O economista] Carlos Rosado de Carvalho estima que existem à volta de 4,5 milhões de pessoas afetadas pela fome em Angola. Destas, eu estimo que metade devem, de certeza, estar no sul. As três províncias mais afetadas, Huíla, Namibe e Cunene, têm muita gente afetada.

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