Covid-19: Estudantes africanos suspendem cursos em Portugal
16 de abril de 2021A pandemia que o mundo atravessa há mais de um ano não tem afetado apenas a vida académica de muitos estudantes africanos em Portugal. Na capital, Lisboa, por exemplo, há estudantes com dificuldades em pagar as propinas ou se alimentarem, por terem perdido meios de subsistência.
Célia Lopes é licenciada em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa. Terminou o curso em plena pandemia, em março de 2020, num cenário marcado por vários bloqueios com os quais teve de lidar com muita dificuldade como estudante e trabalhadora.
"Foram dias difíceis e em plena pandemia torna-se muito mais [difícil] trabalhar e estudar em casa. Existem muitas distrações, mas acho que consegui lidar da melhor forma possível [com isso], definindo horários, priorizando o meu estudo do que propriamente algum descanso”, recorda.
Célia perdeu o emprego que tinha, que era presencial.
"Era um estágio na Câmara Municipal de Cascais. Portanto, depois disso, foi mais complicado arranjar trabalho, em regime de teletrabalho. Mas tudo se consegue com força de vontade e sou prova viva disso”, assegura.
A realidade para muitos outros estudantes africanos em Portugal não difere tanto da situação desta jovem guineense. Lopes diz que há colegas africanos que não conseguem prosseguir o curso universitário por dificuldades para pagar as propinas. Muitos que trabalhavam, por não beneficiarem de bolsa de estudo, perderam o meio de subsistência com a pandemia.
"Nós temos sentido muitas dificuldades em termos de apoios financeiros. Há pessoas que têm bolsa, sim, é verdade. E há outras que muitas vezes não conseguem beneficiar [das bolsas] talvez porque não têm formação”, explica.
Pagamento de rendas e propinas
No norte de Portugal, mais de dois mil estudantes africanos do Instituto Politécnico de Bragança (IPB) estão nesta situação. As consequências dos efeitos da pandemia na vida dos jovens são inúmeras, segundo Wanderley Antunes, presidente da Associação dos Estudantes Africanos em Bragança.
"Muitos dos nossos alunos, atualmente, estão a passar por algumas necessidades, algo que não se verificava antes da pandemia. E isto traz-nos algumas preocupações e alguns receios. Alguns desses alunos até já estavam inseridos na cidade, já conseguiam trabalhar, seja em regime fixo ou part-time, mas também devido a toda esta circunstância esses alunos perderam trabalho, afetando assim a sua subsistência na cidade”, lamenta.
Entre as dificuldades, Antunes aponta o atraso no pagamento das propinas e das rendas aos senhorios como um dos principais problemas na vida dos estudantes. A maior parte não tem bolsa financiada pelos respetivos países, adianta. Além disso, acrescenta, os seus familiares em África também enfrentam dificuldades, não tendo condições para enviar dinheiro regularmente para suportar as despesas mensais dos alunos.
A perda de rendimento de familiares também causou alguns constrangimentos na sua permanência em Portugal.
Falta de acompanhamento e apoio
Wanderley Antunes critica a falta de acompanhamento da situação dos estudantes africanos em Portugal por parte de algumas entidades, nomeadamente das embaixadas dos respetivos países, à exceção da de Cabo Verde que tem tido uma atitude diferenciadora em busca de apoios para fazer face às dificuldades.
"Nós somos os futuros quadros dos nossos países e é preciso que as entidades competentes, ou seja, o próprio Estado, a direção do ensino ou mesmo as câmaras municipais que enviam cá os alunos para estudar tenham em atenção que devem fazer o acompanhamento desses estudantes aqui no Politécnico”, apela.
Não dispondo de muitos recursos financeiros, a Associação dos Estudantes Africanos fez um levantamento dos problemas e, em parceria com o Instituto Politécnico de Bragança, procura respostas para as necessidades básicas dos alunos e tenta minimizar os efeitos da pandemia, dá conta Wanderley Antunes.
"Falo nomeadamente da criação do Banco Alimentar do IPB, que é uma iniciativa que tem ajudado muito os alunos com bens alimentícios. O Politécnico de Bragança tem ajudado esses alunos de forma regular, semanalmente”.
Necessário encontrar soluções
Alimentar da associação apoiava inicialmente cerca de 60 alunos com bens alimentícios. Através da Rede Solidária dos Estudantes Africanos em Portugal, criada em março de 2020, foi possível apoiar alunos com dificuldades no pagamento das rendas em atraso. O apoio abrange assistência psicológica e ajuda com material informático para acompanhamento de aulas online.
É uma evidência que a crise pandémica afeta gravemente a vida da comunidade estudantil africana em Portugal, havendo também em Lisboa casos de alunos com propinas em atraso a rondar entre dois a três mil euros.
Segundo Nicandro Fernando Gomes Ié, presidente da Associação de Estudantes da Guiné-Bissau em Lisboa, foi preciso encontrar algumas soluções para ajudar os que mais precisam.
"Ao longo deste período de COVID-19, nós fizemos algum trabalho em conjunto e criámos uma rede de solidariedade com os estudantes. Conseguimos angariar alguns fundos através da Caritas, de diferentes partes de Portugal, que foram revertidos a favor dos estudantes mais necessitados. De acordo com os critérios definidos pela própria rede, atribuímos fundo de apoio para pagamento das propinas e de renda, para aqueles em situação difícil, residentes em alojamentos universitários”, conta.
Confirma que há alunos que não conseguiram prosseguir os estudos por incapacidade de pagamento das propinas. Gomes Ié, estudante de Direito na Faculdade de Lisboa, explica que também é feita a distribuição de bens alimentares a cada estudante, além do apoio moral e apoio prestado com meios informáticos para assistência de aulas online.