Será a nova diplomacia Brasil-África isenta de corrupção?
2 de novembro de 2022O restabelecimento das relações comerciais com África poderá ser um ponto fraco na Presidência de Lula da Silva, dizem os analistas, se considerarmos a sua alegada associação aos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro que envolveram países como Angola, ainda que tais acusações tenham sido anuladas pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil.
O economista e investigador da Escola de Estudos Orientais e Africanos da Universidade de Londres, Fernandes Wanda, considera que o contexto de crise não permitirá a Lula da Silva promover financiamentos que facilitem cometer crimes financeiros, como alegadamente aconteceu no anterior mandato.
Fernandes Wanda considera que "o contexto hoje tanto no Brasil como em Angola e em outros países africanos é completamente diferente. O Brasil não está em condições, devido ao processo de recuperação pós-covid, de dar o apoio financeiro que deu através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e também de outras formas de financiamento aos países africanos, principalmente no caso de Angola, como foi o caso do financiamento a barragem de Laúca".
Contexto de crise não permitirá a Lula da Silva promover financiamentos
O Economista defende que hoje o Brasil não está em condições de fazer este esforço financeiro, porque tem problemas internos, como referiu no seu discurso, quando disse que a sua prioridade é acabar com a fome. "Mas ele mencionou uma coisa interessante no seu discurso que é a partilha de tecnologia com os países africanos, eu acho que será mais por aí", concluiu o economista Fernandes Wanda.
As reclamações sobre a forma como as multinacionais exploram os recursos naturais em África também poderão contribuir para haver mais transparência na retoma das relações do Brasil com África. A opinião é de Jonuel Gonçalves, pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF) do Brasil.
Para este investigador, "algumas das empresas que foram muito apoiadas pela antiga diplomacia brasileira foram empresas que se conduziram em África da forma como todas as empresas se conduzem em África, não só usam corrupção para penetrar, como ainda por cima praticam o extrativismo, não contribuem para o desenvolvimento do continente, e quando digo que contribuem para o extrativismo, dedicam-se apenas à extração".
O investigador deu como exemplo o caso de Angola, referindo-se à presença de multinacionais que operam no setor diamantífero, no sector dos petróleos ou ainda na prestação de serviços com pagamento imediato, como é o caso da construção civil. "A partir de agora e a partir dos escândalos que se produziram e algumas reclamações africanas é provável que o novo Governo tenha mais cuidado e controle nisso", disse Jonuel Gonçalves em entrevista à DW.
Só é possível haver mais transparência, quando os dois Governos forem menos corruptos
Para o jornalista angolano Rafael Marques, a reeleição de Lula da Silva não basta para haver mudanças nas relações entre o Brasil e Angola.
Questionado sobre o assunto, o jornalista referiu que "só é possível haver mais transparência nas relações entre Angola e o Brasil quando, quer o Governo brasileiro, quer o Governo angolano forem menos corruptos e tiverem instituições mais funcionais, sobretudo a justiça".
Do lado angolano, a Presidência não é a mesma com que Lula manteve as relações de caráter comercial marcadas por vários escândalos. Questionado sobre o que terá mudado nos últimos anos do lado brasileiro, com a governação de Jair Bolsonaro, Rafael Marques diz não ter dúvidas de que, tratando-se do Brasil, nada mudou.
"Em relação ao atual Governo, houve um processo nos Estados Unidos, a Odebrecht foi obrigada a pagar centenas de milhões de dólares, até por atos de corrupção praticados em Angola, que estão provados ter pago 50 milhões de dólares a um grupo de dirigentes angolanos, aliás 200 milhões ao longo de vários anos, e em Angola não aconteceu absolutamente nada. Então, a esse nível, podemos dizer que o que mudou em Angola é o discurso, e não a prática, porque se olharmos para a relação entre o Brasil e Angola, o que houve é apenas um resfriamento das relações porque já não vêm linhas de crédito do Brasil", concluiu.