Somália, Senegal e fome em África entre destaques da imprensa alemã
24 de fevereiro de 2012
A conferência da comunidade internacional sobre a Somália resultou em novas promessas financeiras de ajuda ao país do Corno de África, noticia nesta sexta-feira (24.02) o diário alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ), lembrando reunião realizada no dia anterior em Londres, no Reino Unido. O primeiro-ministro britânico James Cameron prometeu auxílios no montante de 60 milhões de euros, e a reunião elogiou os sucessos das forças de paz presentes no país.
O jornal lembra que os participantes da conferência foram unânimes em não prolongar o mandato da missão das Nações Unidas para o atual governo de transição da Somália, que expira em agosto próximo. Porém, a ONU deverá reabrir um escritório da AMISOM, a missão da organização para a Somália, na capital Mogadíscio, após 17 anos de ausência.
O presidente somali Sheikh Sharif Ahmed e o primeiro-ministro Mohamed Ali asseguraram durante a conferência que terminarão de elaborar uma nova Constituição para a Somália dentro de poucos meses, além de votar uma Assembléia Constituinte que deverá criar as novas bases administrativas para o país e legitimar um novo governo.
Estado falhado
Em língua alemã, o jornal Neue Zürcher Zeitung titula o relato sobre a reunião londrina como "conferência sobre um Estado falhado", destacando que a reunião sobre o país africano alerta para a pressa em resolver as questões de um país que, há cerca de 20 anos, não tem governo efetivo e é palco de violência recorrente das milícias radicais ligadas à rede terrorista Al Qaeda, contra o executivo de Ahmed. A chefe da diplomacia norte-americana, Hillary Clinton, disse que não negociaria com os shebab.
Os jornais alemães lembram que tropas sob comando da União Africana controlam Mogadíscio. Soldados quenianos ocupam o sul do país, tropas etíopes o leste – todos lutam contra os shebab, que ainda controlam vastos territórios na Somália e instauraram um verdadeiro regime de terror no país.
Antes da conferência, o jornalista Marc Engelhardt escreveu sobre os prováveis sucessos da reunião no diário Neues Deutschland: em primeiro lugar, trazer a Somália de volta à discussão, depois de quase um ano colocada em segundo plano em detrimento das revoltas populares no mundo árabe, e não prolongar o mandato do governo de transição – o que acabou acontecendo; em segundo lugar, criar um fundo especial que financie diretamente a construção de escolas e hospitais, tribunais e estações de polícia, para a população.
"Com o fundo, os doadores contornam o governo notoriamente corrupto da Somália, que a organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch acusa de violações dos direitos fundamentais – assim como aos radicais islâmicos", escreve o jornalista, que lembra porém que não há terceira alternativa às duas forças – governamentais e milícias – que lutam em território somali.
O vento contrário a Wade
É o título do diário alemão TAZ, ou Die Tageszeitung. O jornal publicou nesta sexta-feira uma reportagem sobre a eleição presidencial deste domingo (26.02) no Senegal. O texto fala sobre os protestos atuais no Senegal contra a vontade do presidente Abdoulaye Wade de se candidatar uma terceira vez ao cargo mais alto do país.
O fundador da Associação Africana para a Defesa dos Direitos Humanos (RADDHO), Alioune Tine, um crítico do governo, diz que o presidente Abdoulaye Wade sente agora um vento contrário, mas que poderia ter sido diferente. "Ele deu o pontapé inicial para muitas coisas importantes para a democratização. Se não insistisse no terceiro mandato [considerado anticonstitucional, mas aprovado pelo Conselho Constitucional], teria virado herói", afirma.
O Berliner Zeitung, por seu lado, avalia que do resultado da eleição no Senegal neste domingo vai depender se os ventos contrários a Wade vão ou não virar uma tempestade – especialmente entre os jovens que protestam.
Nova ameaça de fome
Na página opinativa do FAZ, o jornalista Thomas Scheen escreve que o continente africano está novamente correndo o risco de crises de fome, mas que "há silêncio sobre as verdadeiras razões" dessa fome que, no ano passado, levou a ONU a constatar que cerca de 12 milhões de pessoas podiam morrer dela.
Seis meses depois da crise que levou a comunidade internacional a pedir 1,6 mil milhões de dólares mundialmente para combater a fome causada pela pior seca na região do Corno de África em décadas, além de más colheitas, "não há mais crise de fome na Somália", escreve Scheen, lembrando a recente declaração do Programa Alimentar Mundial da ONU.
"Na verdade, a fome no século 21 é algo impossível. Existem alimentos a qualquer hora, em qualquer lugar do mundo – mesmo que o preço seja alto", escreve Scheen, citando a conclusão de um simpósio na universidade norte-americana de Harvard que pesquisou o "fenômeno Somália". Segundo os pesquisadores citados pelo jornalista, as crises de fome atuais são criadas pelo ser humano – e, de acordo com esses estudiosos, o fator "humano" de criação da crise de fome na Somália são as milícias shebab, que teriam que ser "eliminadas".
Para Scheen, não adianta tentar negociar com as milícias para "poder ajudar". "Seria combater um mal com outro mal. Seria o momento de as organizações humanitárias não impedirem mais uma intervenção militar – os terrores que uma intervenção provoca se transformam, no longo prazo, numa empresa particularmente humanitária", escreve o jornalista.
Thomas Scheen também lembra que organizações humanitárias alertam para a falta de alimentos na região do Sahel, especialmente no Níger. Ele acredita que também esta crise é criada pelo ser humano. "O motivo é um crescimento populacional que faz com que cada vez mais pessoas tenham de se alimentar com os produtos de parcelas de terra cada vez menores", avalia.
"A fome vai piorar enquanto a origem do problema não for combatida: um código islâmico de educação que, alimentado pelas escolas corânicas, recusa a educação das meninas e reduz as mulheres ao papel de máquinas de parir. As organizações humanitárias guardam silêncio sobre isso e não ajudam ninguém", ataca o jornalista.
Autora: Renate Krieger
Edição: António Rocha