STP: Acórdão que ordena recontagem de votos é "nulo"
26 de julho de 2021Afinal, haverá ou não recontagem de votos em São Tomé e Príncipe? Três dos cincos juízes que compõem o plenário do Tribunal Constitucional recusaram esta segunda-feira (26.07) a decisão anunciada pelo presidente do órgão no fim de semana.
O juiz-presidente assinou um acórdão a ordenar a recontagem dos votos da primeira volta das presidenciais de 18 de julho, a pedido do terceiro candidato mais votado. Trata-se de Delfim Neves, presidente do Parlamento e familiar e amigo dos juízes que assinaram o acórdão. Por isso, a maioria dos juízes do Constitucional escreveu ao Presidente Evaristo Carvalho a pedir "a reposição da credibilidade" da instituição e "da normalidade no processo eleitoral".
A DW falou sobre o caso com a jurista são-tomense Celiza de Deus Lima, antiga Bastonária da Ordem dos Advogados, que classifica o acórdão sobre a recontagem de votos como "batoteiro e juridicamente nulo".
DW África: O que levou os juízes do Tribunal Constitucional a enviar esta missiva ao chefe de Estado? Haverá ou não recontagem de votos em São Tomé e Príncipe?
Celiza de Deus Lima (CDL): Estranhamente, no fim de semana, fomos surpreendidos por um acórdão assinado pelo juiz presidente Pascoal Daio e pelo juiz conselheiro Hilário Garrido, nas redes sociais, dando provimento ao pedido formulado pelo candidato Delfim Santiago das Neves. O que se passa, neste momento, é que temos dois acórdãos. Um que foi lavrado no fim de semana e do qual se tomou conhecimento pelas redes sociais e, tanto quanto eu saiba, não houve notificação e publicação deste acórdão. E um segundo, cujos vícios são imensos, porque estamos a falar de dois juízes que são altamente suspeitos para se pronunciarem sobre qualquer matéria de impugnação que fosse apresentada por este candidato em concreto.
DW África: Porque um dos juízes é familiar, precisamente, do candidato Delfim Neves...
CDL: Um destes juízes, Hilário Garrido, é irmão da esposa do candidato Delfim Santiago das Neves e, numa outra ocasião, noutro processo em que Delfim das Neves recorreu ao Supremo Tribunal de Justiça, ele [o juiz] já se havia declarado impedido. Portanto, por aí já se deu uma contradição, já se questiona a idoneidade e a atuação deste juiz. Em relação ao juiz presidente, já foi mandatário do candidato Delfim Santiago das Neves nas eleições de 2011, é advogado do candidato até ter sido nomeado juiz conselheiro e é amigo pessoal. Por essas razões, obviamente que estes dois juízes tinham de se ter declarado impedidos e não podiam apreciar qualquer impugnação que tivesse sido apresentada por este candidato.
DW África: Portanto, Carlos Vila Nova, que segundo a Comissão Eleitoral terá ficado em primeiro lugar, na primeira volta, quando diz que a recontagem dos votos decidida este fim de semana é ilegal e inconstitucional, tem razão?
CDL: Esta decisão, para além de ilegal, inconstitucional, é juridicamente inexistente, é nula e de nenhum efeito. Este acórdão que foi assinado por estes dois juízes não produz qualquer efeito no nosso ordenamento jurídico.
DW África: Já podemos antever consequências para o processo eleitoral, desde logo porque a campanha para a segunda volta, que devia ter começado esta segunda-feira, ficou adiada...
CDL: Essa é uma das consequências visíveis e, nesse sentido, há ainda algumas questões que devem ser analisadas. Do ponto de vista prático, talvez não tenhamos a segunda volta no dia 8 de agosto. Não sei se conseguiremos ultrapassar toda esta situação rapidamente para que se inicie a campanha eleitoral. O certo é que, do ponto de vista prático, já há constrangimentos. Só temos de lamentar toda esta situação, porque isto mancha a imagem internacional de São Tomé e Príncipe.
DW África: Portanto, resta agora esperar pela intervenção do Presidente Evaristo Carvalho para repor a credibilidade do Tribunal Constitucional e também das eleições?
CDL: Com certeza, resta ao Presidente da República, enquanto chefe de Estado, o mais alto magistrado da Nação, que assuma as suas competências constitucionais e tome medidas claras. O Presidente tem que se pronunciar mas, mais do que isso, terá que ter uma intervenção clara e inequívoca nessa matéria, de forma a repor-se a normalidade constitucional e a tranquilidade dos cidadãos, que foi abalada com este acórdão batoteiro.