Ataques em Nampula: "Não conseguimos controlar deslocados"
19 de setembro de 2022À cidade de Nampula e arredores chegam cada vez mais vítimas do terrorismo, diz Charles Artur, responsável local da Comissão Episcopal para Migrantes, Refugiados e Deslocados.
O número de deslocados aumentou desde a última onda de ataques, em agosto, não só em Cabo Delgado como também no extremo norte da província de Nampula, nos distritos de Eráti e Memba.
"A situação continua a ser grave. Além dos deslocados que vinham da província de Cabo Delgado, com a nova situação que ocorreu, acabamos recebendo um número maior de deslocados que não estão registados", conta Artur.
O missionário diz que um dos principais problemas para as organizações que apoiam os deslocados é o facto de trabalharem quase às escuras, sem saberem em concreto quantas pessoas deverão chegar.
"Não conseguimos controlar os deslocados da nossa província, não sabemos onde estão. A maior parte são famílias, que se aglomeram num sítio e as autoridades não conseguem identificar se são deslocados ou não."
Contactada pela DW, a Visão Mundial, outra das organizações que está a assistir os deslocados em Nampula, revelou que muitas ONG estão em "standby" à espera de coordenadas do Governo sobre "como" e "onde" intervir.
Violações aos direitos humanos
Até aqui, segundo Charles Artur, a falta de meios logísticos e financeiros também tem dificultado o trabalho.
"Em primeiro lugar, a assistência é psicológica. Procuramos envolver essas pessoas no trabalho da própria diocese e também damos alguma assistência humanitária, comida e esteira".
Mas a ajuda não tem chegado a todos. "Há casos em que as raparigas acabam por se prostituir, para trazer alguma coisa para as suas casas. Registámos ainda casos de crianças que, aos 16 anos, já foram casadas", revela.
Estima-se que metade da população afetada pelos ataques dos insurgentes sejam crianças e jovens até aos 20 anos, reflexo da pirâmide etária do país.
Ao todo, a Organização Internacional das Migrações (OIM) aponta que mais de 800 mil pessoas tiveram de fugir das suas casas por causa do conflito.
Porque houve ataques em Nampula?
Desde 2017 que a província moçambicana de Cabo Delgado, rica em gás natural, é aterrorizada por grupos armados, sendo alguns ataques reclamados pelo grupo radical Estado Islâmico.
O Exército moçambicano tem combatido a insurgência, juntamente com os parceiros internacionais, e conseguiu libertar distritos junto aos projetos de gás. Mas as novas incursões, sobretudo desde agosto, voltaram a colocar o país em alerta máximo.
"Ele [o terrorismo] está lá na província de Nampula [depois de ter começado na província de Cabo Delgado], o que é preciso é controlar", disse o Presidente Filipe Nyusi no início de setembro.
Para o investigador Wilker Dias, o aviso do chefe de Estado moçambicano veio tarde demais. "Na minha ótica, a inteligência vem falhando desde o início do conflito em Cabo Delgado, desde os antecedentes até agora que existem esses ataques. Temos lá as tropas de Ruanda, tivemos o aviso em junho que Memba seria atacada, mas a inteligência não conseguiu prever isso", aponta.
Dias entende que os insurgentes querem confundir as autoridades, dispersando e levando a violência para vários pontos estratégicos. "Esta descida dos terroristas [para a província de Nampula] serve para causar uma certa pressão à cidade capital de Cabo Delgado [Pemba], onde as empresas estão instaladas", afirma.
O investigador acredita que, agora, um dos principais objetivos dos terroristas é sabotar o esquema de exploração de gás em alto-mar, na plataforma flutuante Coral Sul, estacionada ao largo da província.
"Já tivemos a sabotagem da exploração em terra e agora vamos ter a sabotagem da exploração em alto-mar. Se não colocarmos um cordão de segurança próximo daquela região, onde estará centrada a exploração da Coral Sul [Afungi], corremos este risco também."