TPI: Bosco Ntaganda culpado de crimes de guerra na RDC
8 de julho de 2019Bosco Ntaganda, conhecido como "Exterminador", foi condenado por 18 crimes, que incluíram homicídio, violação e escravatura sexual nos dois últimos anos que durou o sangrento conflito étnico na região de Ituri, muito rica em minerais, entre agricultores (Lendu) e criadores de gado (Hema), que entre 1999 e 2003 resultou num balanço em torno das 60.000 mortes, segundo as ONG.
"O tribunal considera Bosco Ntaganda culpado de mortes, de ter dirigido intencionalmente ataques contra civis, de violações, de escravatura sexual, de perseguições e de pilhagens enquanto crimes de guerra e crimes contra a humanidade", declarou durante a audiência o juiz Robert Fremr, citado pela agência de notícias France-Presse.
Bosco Ntaganda, que alegou sempre a sua inocência ao longo do julgamento, considerando-se um revolucionário, e não um criminoso, enfrenta uma pena máxima de prisão perpétua, mas não expressou quaisquer emoções perante a decisão do tribunal, de acordo com a Associated Press.
A pena será conhecida numa próxima audiência, precisou o juiz do Tribunal Penal Internacional (TPI).
Inédito na história do TPI
Ntaganda começou por ser acusado destes crimes em 2006 e tornou-se um símbolo da impunidade em África, servindo mesmo como general do Exército da RDC, antes de se entregar em 2013, quando ruiu a sua base de poder. Ntaganda começou a ser julgado em setembro de 2015.
Robert Fremr enumerou ao longo de vários minutos os crimes dados como provados pelo tribunal, entre os quais constam 13 crimes de guerra e cinco crimes contra a humanidade.
A sentença de Ntaganda só vai ser conhecida na próxima audiência mas espera-se que receba uma pena de prisão perpétua. O juiz Robert Fremr afirmou em tribunal que até lá o condenado vai continuar preso. "Sr. Ntaganda, como resultado do julgamento da câmara, ficará detido até que a câmara determine a sua sentença”.
Reações
Chréhine Luzaisu é a advogada representante das vítimas e ficou contente com esta condenação contudo explica que houve informações e detalhes que ficaram por esclarecer. "Para as vítimas é uma grande vitória porque desde 2002 estas pessoas esperavam uma decisão como esta. A justiça fez o seu trabalho e portanto é com muita satisfação que recebemos a notícia do veredicto. É verdade que nem tudo ficou esclarecido, mas de qualquer forma foi uma grande parte que ficou esclarecida" contou a advogada.Muitos congoleses não conseguiram ser ouvidos e isso fez com que algumas acusações não pudessem ir até às últimas instâncias como explicou Luzaisu. "Para algumas aldeias onde os crimes foram cometidos não foram recolhidos todas as provas e assim sendo algumas vítimas não poderão continuar com as acusações porque os habitantes das aldeias não foram ouvidos pelos juízes sobre os crimes cometidos".
Para o presidente da organização não-governamental (ONG) congolesa dos direitos humanos Lotus, Dismas Kitenge, hoje é um dia muito importante para as vítimas das Forças Patrióticas para a Libertação do Congo, que nunca deixaram de lutar pelo dia em que Ntaganda seria julgado.
Por sua vez, a assessora de justiça internacional da ONG Human Rights Watch, Maria Elena Vignoli, referiu que a sentença serve para alertar outros responsáveis de crimes graves, e lembrou a necessidade de lutar contra a impunidade de outros "líderes abusivos".
Passado de Ntaganda
Nascido no Ruanda, de ascendência tutsi, Ntaganda integrou o exército da Frente Patriótica do Ruanda (FPR) antes de ganhar a reputação de líder carismático no Congo, amante de chapéus de cowboy e da boa gastronomia.
Foi general do exército congolês entre 2007 e 2012 e tornou-se depois um dos membros fundadores do grupo rebelde M23, derrotado pelas forças congolesas em 2013.
Na sequência de dissensões, seguidas de combates, no seio do M23, Bosco Ntaganda fugiu para o Ruanda e refugiou-se na Embaixada dos Estados Unidos em Kigali, onde pediu a sua transferência para o TPI, uma iniciativa inédita na história do tribunal.
Ntaganda é um dos cinco antigos chefes de guerra congoleses a comparecer perante o TPI, fundado em 2002 para julgar as piores atrocidades cometidas no mundo.
Em março de 2012, o tribunal condenou a 14 anos de prisão Thomas Lubanga, antigo chefe de Ntaganda nas Forças Patrióticas para a Libertação do Congo (FPLC), braço armado da União dos Patriotas Congoleses.