Tráfico humano na Nigéria
2 de novembro de 2017Judith Akuha, de 18 anos, tem os sintomas típicos de quem regressou recentemente do sudoeste. Sentada num banquinho de madeira, o olhar apático, diz que não consegue fugir à memória dos últimos três anos.
Partiu confiada na promessa de um tio que lhe queria pagar a escola. Até lhe ofereceu o bilhete de autocarro. Mas na realidade o tio, que já morreu, colaborava com traficantes de seres humanos, que a obrigaram a trabalhar na lavoura: "Tinha que me levantar às seis da manhã, e levavam-me para os campos. Só voltava ao anoitecer. Não me davam comida. Ao fim do dia recebia 10 naira (o equivalente a dois cêntimos do euro) para comprar umas bolachas. Não havia mais nada. Nem sequer tinha roupa para mudar".
Para a população de Benue o sudoeste é local tradicional de emigração há muitas décadas. Mas a situação mudou de forma preocupante, diz Valentine Kwaghchimin, que trabalha para a comissão de justiça, desenvolvimento e paz da agência de assistência Caritas na capital de província, Markudi.
Violação dos direitos humanos
No ano passado, Kwaghchimin recolheu os primeiros dados que provam que grande parte da migração atual não é voluntária: "Trata-se claramente de tráfico humano. Acresce as condições de vida com o desrespeito dos direitos mais fundamentais. Os trabalhadores não têm liberdade de movimentação nem poder de decisão, sinais elementares de escravidão”.
Judith confirma que era prisioneira na fazenda. Outras mulheres falam de violações e prostituição forçada. Quem resiste não recebe sequer a pouca comida prevista. Valentine Kwaghchimin estima que pelo menos 11000 pessoas de Benue vivem nestas condições.
Sylvester Udam Ugbede é reformado e vive em Naka, uma pequena cidade de Benue com um elevado índice de emigração. Conta que às raparigas prometem uma educação e aos rapazes um emprego bem pago na lavoura, mais do dobro do salário médio na Nigéria que ronda o equivalente a 40 euros. Mas depois quanto muito só recebem uma pequena parte dessa soma: "Às vezes, quando são muito mal pagos, acabam por ir à polícia. Alguns conseguem reaver o dinheiro, mas não muitos. Até porque têm que pagar primeiro à polícia para que ela investigue o caso”, diz Udam Ugbede.
Vítimas deixadas ao abandono
A autoridade responsável pelo combate do tráfico humano, a Naptip, tem conhecimento da situação. O diretor do departamento em Makurdi, Daniel Atokolo, diz que há uma campanha para encorajar os habitantes a não partir: „Dizemos à população para se lembrar de que Benue tem boa terra de cultivo. Podem ficar aqui para trabalhar. O Governo vai ajudar. Podem ser formadas também cooperativas para vender os produtos, como alternativa à emigração”.
Judith, que foi acolhida por amigos em Naka, nunca ouviu falar do Naptip. Também não conhece qualquer outra organização que preste assistência às vítimas do tráfico humano. Só uma vez, no ano passado, recebeu ajuda - de uma estranha: "Um dia uma mulher disse-me: Judith, se eu te der dinheiro, voltas para casa? Eu disse que sim. Nós não tínhamos dinheiro, porque o meu pai estava doente”.
Muitos regressam como Judith: traumatizados e de mãos vazias. Só lhes restam a vergonha de terem fracassado e a liberdade reconquistada.