Os riscos das "fronteiras porosas" de Moçambique
26 de outubro de 2022Em Moçambique, durante uma inspeção de rotina, as autoridades intercetaram um camião-cisterna oriundo do Malawi com 99 estrangeiros no interior do tanque que deveria ser usado para transporte de combustível. O camião tinha como destino o porto da Beira, onde ia ser carregado com combustível, segundo declarações do porta-voz da polícia, Mário Arnaça, à agência de notícias Lusa. A polícia mandou-o parar no posto de Bunga, na província de Manica, centro do país.
Após a inspeção de rotina, já depois de o veículo arrancar, a população alertou as autoridades, relatando ter visto uma pessoa a abrir uma tampa do tanque para espreitar para o exterior. Agentes da polícia perseguiram o camião que viria a ser imobilizado pouco depois, com o motorista a colocar-se em fuga, levando os respetivos documentos. Entre os cidadãos estrangeiros estavam nove mulheres e todos ficaram sob custódia da polícia moçambicana.
Suspeita-se de mais um caso de imigração ilegal. Em entrevista à DW África, o pesquisador do observatório do Meio Rural João Feijó lembra a "porosidade" tradicional das fronteiras, admitindo que esta pode favorecer o surgimento de fenómenos como o tráfico humano, a migração clandestina e até o recrutamento de soldados para grupos armados.
DW África: Quais seriam o motivos deste incidente?
João Feijó (JF): Aquelas fronteiras são muito porosas, o que significa que aquelas pessoas tem relações transfronteiriças muito antigas. É preciso também compreender as fronteiras africanas, que são coloniais, que foram divididas "a régua e esquadro" e que separaram grupos etnolinguísticos muito antigos. A população das zonas transfronteiriças tem mais relação com os países vizinhos em termos económicos e sociais do que com o resto do país. A fronteira com o Malawi é caraterística disso mesmo. Muita gente atravessa as fronteiras regularmente, quer de Moçambique para os países vizinhos, quer dos países vizinhos para Moçambique.
DW África: As autoridades suspeitam que se trata de mais um caso de imigração ilegal, em que a entrada no país é feita pondo em risco a vida dos cidadãos...
JF: Não sabemos exatamente o que é que aconteceu neste caso. Não sabemos se tem a ver com tráfico de seres humanos ou com migração ilegal para a África do Sul, pode ser. Não sabemos se tem a ver com recrutamento para grupos violentos, também pode ser. A verdade é que há neste momento uma maior vigilância por parte das autoridades e alguma tendência das autoridades chamarem os jornalistas para mostrar que estão a fazer o seu trabalho - até como uma mensagem externa. Muitas vezes não sabemos exatamente o que tem acontecido.
Às vezes, é um pouco excesso de zelo e imagina-se logo o pior, detém-se as pessoas para depois investigar e fica a desconfiança. Concretamente, não sei ainda o que é que este incidente significa.
DW África: O aumento das tentativas de transpor ilegalmente estas fronteiras põe em causa o trabalho das autoridades?
JF: A polícia nem costuma intervir muito, porque é muito complicado mexer nessas questões que têm a ver com a própria sobrevivência das pessoas que fazem comércio transfronteiriço. Mexer com isso é mexer com as lógicas de sobrevivência das pessoas.
Agora, uma coisa são estas relações transfronteiriças informais e outra é o tráfico de seres humanos e a migração clandestina para a África do Sul e outros destinos. É algo frequente, até porque há tráfico de seres humanos para a África do Sul, que é uma espécie de "El Dorado" para onde muitos povos africanos procuram emigrar. Depois, há outros tipos de tráfico envolvidos. Então, é um grande mistério o que este incidente pode significar.