Tunísia: Aumento da repressão marca período pré-eleitoral
3 de abril de 2024As próximas eleições presidenciais na Tunísia ainda não têm uma data específica, mas devem ser realizadas entre setembro e dezembro de 2024. E o atual Presidente, Kais Saied, também ainda não anunciou se vai concorrer.
No entanto, não há dúvidas de que Saied se irá recandidatar.
Entretanto, não é a campanha eleitoral, mas sim o aumento da repressão contra os jornalistas, os opositores políticos e a sociedade civil que é visto como um indicador do roteiro que Saied pretende seguir para conseguir um novo mandato de cinco anos como Presidente.
Kais Saied, um antigo professor de direito de 66 anos, foi democraticamente eleito Presidente da Tunísia em outubro de 2019.
No entanto, em julho de 2021, lançou-se numa ousada consolidação do poder e, desde então, desmantelou a maioria dos órgãos democráticos.
Saied reprime os contestatários
"A última onda de repressão do Presidente Kais Saied parece estar intrinsecamente ligada às próximas eleições presidenciais na Tunísia", diz Marwa Murad, porta-voz da organização suíça de direitos humanos Comité para a Justiça.
Na avaliação de Murad, ao reprimir a sociedade civil e ao restringir as liberdades de expressão e de associação, o Presidente Saied pretende consolidar o seu poder e limitar os potenciais desafios à sua autoridade antes das eleições.
Lamine Benghazi, membro não residente do Instituto Tahrir para a Política do Médio Oriente, com sede em Washington, concorda.
"O ano eleitoral na Tunísia está profundamente marcado pelo medo, pela repressão e pela ausência de um Estado de direito, uma vez que o órgão eleitoral encarregado de supervisionar as eleições perdeu a sua independência", afirma Benghazi à DW.
Além disso, "com os organismos independentes desmantelados, a autonomia do poder judicial seriamente comprometida, uma parte significativa da oposição política encarcerada ou a enfrentar ações judiciais e os meios de comunicação social sujeitos a uma censura draconiana, existem sérias preocupações de que a sociedade civil possa ser o próximo alvo da campanha de Kais Saied para desmantelar os contrapoderes", acrescenta Benghazi.
Além disso, o Centro de Estudos Estratégicos de África, com sede em Washington, não tem esperança de que as próximas eleições presidenciais na Tunísia possam ser transparentes ou justas.
"Saied proibiu os observadores eleitorais internacionais de acompanharem as eleições de 2024", declarou recentemente o grupo de reflexão no seu sítio na Internet.
"Política sistemática de silenciamento de jornalistas"
Há dias, o Ministério Público da Tunísia deteve o popular jornalista da televisão e crítico de Saied, Mohamed Boughalleb, depois de este ter sido interrogado por uma unidade de cibercrime nos subúrbios da capital tunisina, Tunes.
Segundo a imprensa local, uma funcionária do Ministério dos Assuntos Religiosos da Tunísia acusou Boughalleb de "prejudicar a sua honra e reputação" em publicações no Facebook.
"A detenção de Mohamed Boughalleb reflete uma política sistemática de silenciamento dos jornalistas e de violação dos procedimentos legais", diz Ziad Dabbar, diretor do Sindicato dos Jornalistas da Tunísia.
"Ao manter Boughalleb detido, o Decreto 117, que regula a liberdade de imprensa, é violado", acrescenta.
Além disso, a organização sem fins lucrativos de defesa dos direitos humanos Monitor dos Direitos Humanos Euro-Med, sediada na Suíça, está cada vez mais preocupada com a "perigosa expansão da repressão governamental na Tunísia", depois de Ghassan Ben Khalifa, chefe de redação do portal Inhiyaz, ter sido condenado a seis meses de prisão. Foi acusado de estar por detrás de uma página de Facebook que se opunha a Kais Saied.
A organização de defesa dos direitos humanos está também preocupada com a convocação, na semana passada, de Lotfi Mraihi, secretário-geral do Partido da União Popular Republicana, devido a declarações que fez numa estação de rádio privada a criticar o Presidente Saied.
"A perseguição e o ataque a Mraihi exemplificam a repressão sistemática do Governo, em curso há dois anos, contra figuras políticas do país, especialmente antes das eleições presidenciais previstas para o final do ano na Tunísia", declarou o Monitor dos Direitos Humanos Euro-Med.
Crescimento económico apesar da repressão
No entanto, Uta Staschewski, que dirige o escritório em Tunes da Fundação Alemã Hanns-Seidel, também salienta que, apesar da repressão, "a administração de Saied ainda goza de uma aprovação visível entre a população, o que indica uma forte resposta às suas políticas".
Oficialmente, a economia da Tunísia tornou-se mais estável no ano passado, depois de ter estado sem dinheiro em 2021 e 2022.
De acordo com dados do Governo, a dívida externa foi reduzida sem recorrer a empréstimos internacionais e o ambiente de negócios é positivo, já que o turismo voltou aos níveis pré-pandémicos.
Além disso, as remessas de fundos estabilizaram ainda mais a economia.
De acordo com o Instituto Nacional de Estatística da Tunísia, a inflação diminuiu para 7,8% em março de 2024.
Além disso, uma reportagem recente do jornal Financial Times afirma que a União Europeia anunciou planos para atribuir até 164,5 milhões de euros (177,74 milhões de dólares) às forças de segurança tunisinas ao longo de três anos. O financiamento está relacionado com um acordo de migração que foi assinado em 2023.
No entanto, os observadores salientam que, apesar da estabilização económica, o modelo económico do país continua por reformar.
"Existe também uma discrepância entre as realizações económicas oficiais e a realidade quotidiana da população tunisina, que se caracteriza por estrangulamentos económicos", destaca Staschewski.
População protesta contra subida dos preços
No início de março, os tunisinos saíram à rua para protestar contra a deterioração das condições de vida no país.
De acordo com o organizador da manifestação, a influente União Geral dos Trabalhadores da Tunísia (UGTT), a capacidade do Estado para pagar o serviço da sua dívida externa em 2023 foi em "detrimento do povo e resultou na escassez de produtos básicos", disse o dirigente da UGTT, Noureddine Taboubi, num discurso durante a manifestação.
Chokri bin Nsir, empregado de uma tipografia pública, confirma esta observação.
"Os preços triplicaram, pelo menos, e agora, no Ramadão, um quilograma de carne vermelha ultrapassa os 42 dinares (12,40 euros ou 13,47 dólares)", diz o trabalhador de 36 anos. Ele e a mulher só conseguem fazer face às despesas porque ambos trabalham.
Para Aicha Ben Attia, uma empregada reformada, que vive sozinha, a situação é pior. "Não consigo pagar os meus medicamentos", afirma a senhora de 68 anos. "Tenho doenças crónicas como a diabetes e a tensão arterial e já teria morrido se os meus vizinhos e familiares não me tivessem ajudado financeiramente a pagar uma cirurgia", diz.
Até à data, nem Bin Nsir nem Ben Attia perderam a esperança numa situação melhor no seu país, que será certamente uma das principais promessas dos candidatos às presidenciais no final deste ano.