Tunísia: Milhares de migrantes "despejados" no deserto
19 de junho de 2024O medo existe, dia e noite, conta Mamadou, do Chade, que pediu à DW para não divulgar o seu nome completo por receio de represálias. Está na Tunísia há mais de 3 meses, mas o seu objetivo era chegar à ilha italiana de Lampedusa, com a ajuda de traficantes de seres humanos.
"Os agentes da Guarda Costeira tunisina tiraram-nos os telemóveis e o dinheiro, depois levaram-nos até à fronteira da Líbia, onde nos despiram e nos abandonaram", ralata.
Mamadou conta o que lhe aconteceu a partir do seu esconderijo: um olival. Para lá chegar, teve de caminhar cerca de 240 quilómetros pelo deserto. Este olival tornou-se um refúgio para cerca de 80.000 migrantes subsarianos que aguardam uma oportunidade para atravessar o Mar Mediterrâneo e chegar à Europa.
"Estou aqui há mais de 3 meses e estou a viver muito mal. A Tunísia não é o nosso objetivo. Não queremos ficar aqui. Só queremos passar", revela.
Lauren Seibert, investigadora da Human Rights Watch (HRW), disse à DW que o que Mamadou e outros migrantes viveram foi "uma expulsão coletiva ilegal". Algo que a Argélia, a Líbia e a Mauritânia fazem há anos, lembra a defensora dos direitos humanos. Mas na Tunísia o fenómeno é mais recente e parece ter-se tornado sistemático desde o ano passado.
Como é usado o financiamento da UE?
"Não se trata de um fenómeno novo, apesar dos graves abusos que ocorreram durante estas expulsões e despejos no deserto, que continuam há muitos anos em todo o Norte de África por parte de muitos países", diz Seibert.
Recentemente, a organização investigativa Lighthouse Reports publicou um relatório sobre o aumento das chamadas "lixeiras do deserto", que conclui que a Guarda Nacional Tunisina estava no centro dessas operações, com grande parte do financiamento proveniente de países europeus.
"Agora, as expulsões parecem estar mais sistematizadas, em parte porque envolvem detenções urbanas e também porque implicam uma mudança na forma como os migrantes intercetados no mar são tratados", diz um especialista em migração tunisina que falou à DW sob condição de anonimato.
Desde o ano passado, a União Europeia (UE) tem celebrado parcerias em matéria de migração com o Egito, Marrocos, Mauritânia e Tunísia - acordos que incluem financiamento destinado especificamente a ser utilizado para reduzir a migração para a Europa.
Para muitos observadores, os recentes desenvolvimentos na política de migração da Tunísia são preocupantes, uma vez que o país se tornou um ponto de partida popular para os migrantes de África que desejam chegar à Europa.
Exigência: Fim de violações
A investigadora Lauren Seibert faz um apelo: "Trata-se de uma prática contínua e violadora dos direitos humanos praticada por quase todos os países do Norte de África e que tem de acabar".
Porém lembra que "com o aumento do financiamento da UE dedicado ao controlo da migração, que impede as pessoas de partirem do Norte de África em direção à Europa, isso só encoraja estas expulsões coletivas que são contrárias ao direito regional e internacional."
Em julho passado, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, anunciou uma parceria com a Tunísia no valor de mais de mil milhões de euros, que incluía assistência orçamental imediata e verbas para a gestão das fronteiras.
Embora o Presidente Kais Saied diga repetidamente que a Tunísia não se tornará num "ponto de passagem para os subsaarianos", os ativistas dos direitos humanos afirmam que as expulsões coletivas ilegais estão a aumentar.
"A Comissão Europeia declarou que não apoia este tipo de expulsões coletivas, mas na verdade existe uma linha clara que pode ser traçada entre o financiamento da UE e a continuação destas práticas", entende Seibert.