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Vidas por trás dos números: Grávida Ana "brindada" com tiro

4 de dezembro de 2024

Mesmo grávida, Ana Ngovene não escapou a crueldade da polícia nas manifestações. Desde 24 de novembro que vive com uma bala no corpo, uma vítima colateral. A família sente-se impotente, não sabe como sair do calvário.

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Symbolbild | Schwangere Frau
Foto: Andreas Gebert/picture alliance

Inesperadamente, as vidas de Ana e do seu bebé ficaram na corda bamba. A jovem de 32 anos está grávida de sete meses e há quase 10 dias que sobrevive com uma bala alojada no ombro.

"Fui baleada no dia 24 do mês passado na rotunda da Matola-Gare. Dizem que [a bala] parou nas veias, perto das veias arteriais, e que isso está a circular, não se sabe onde está agora", conta.

É uma vítima colateral da violência da polícia nas manifestações por verdade eleitoral que hoje caraterizam Moçambique. Um dia que, para Ana, deveria ser rotineiro, acabou por se tornar um pesadelo inexplicavelmente.

"Eu nem posso dizer como aconteceu exatamente. Eu vi o carro da polícia e de repente vi-me no chão a sangrar. Eu acabava de descer do chapa, estava ali um grupo de moças que conheço, e eu a caminhar, a tentar perceber o que estava a acontecer, e uma das moças disse-me para encostar e logo passa um carro da polícia a disparar, não quiseram ver a quem, e atingiram-me", relata com a voz fraca. 

Hospital faz da Ana um pêndulo?

Após dois dias de internamento numa unidade pública, só sabe que uma cirurgia para remover a bala é delicada e de alto risco. Porém, não lhe foi apresentada outra alternativa pelos médicos.

Ana vai quase todos os dias ao hospital: "Mesmo agora disseram que a bala está dentro, disse que sim, que nem consigo dormir, às vezes perco ar, tenho difiuldades de respirar e ele [médico] diz que isso é normal. Passou-me a receita para comprar medicamentos fora [do país], mas está caro".

População ataca polícias, respondendo ao atropelamento intencional de uma cidadã por militares
População ataca polícias, respondendo ao atropelamento intencional de uma cidadã por militaresFoto: ALFREDO ZUNIGA/AFP

Incoformada estranha as atitudes do Hospital: "E o médico pergunta qual é a tua ideia [para o problema de saúde]? Eu vou ter ideias? Se vim cá foi para ouvir a ideia dele?"

A saúde do bebé que carrega no ventre parece não importar ao sistema de saúde, é que Ana e a criança nem sequer foram obervadas por um obstetra. A impotência tomou conta da família.

Ana é invisível para a Polícia?

Carolina, uma das irmãs, sente-se de mãos atadas: "A situação está meio delicada, só que não sabemos aonde nos dirigirmos. A situação está muito complicada mesmo."

Desempregada e mãe de quatro crianças, a jovem contou inicialmente com a boa vontade de uma cidadã. Mas como sobrevive a Ana desde então?

"No início, foi uma advogada que lhe comprou comprimidos, mas de lá para cá estamos a desenrrascar", responde a irmã, Carolina.

Ana já meteu o caso na Procuradoria, mas a resposta ainda não chegou. A família, com dificuldades financeiras, explica que arca com os custos médicos, já que a polícia nem sequer reconheceu o erro, quanto mais assumir responsabilidades.

A impotência da família

A irmã conta as angústias que vivem: "Aqui não temos nada a fazer. É só escorrer lágrimas e pedir a Deus que nos ajude, porque nem que ela acorde à noite a chorar, não temos nada a fazer".

Desesperada, Carolina apela: "Precisamos realmente de ajuda, de onde iniciar. Quando ela começa a chorar, eu entro no quarto para dormir, para não lhe deixar angustiada."

O caso comprova, mais uma vez, que o Estado se alheou das suas obrigações para com o cidadão, acusa Naldo Chivite, membro da Rede Moçambicana dos Defensores dos Direitos Humanos:

"Há uma total desconsideração e um total desrespeito e falta de responsabilidade por parte das autoridades competentes, porque os familiares de algumas vítimas com quem conversei disseram que foram ignoradas. As autoridades não se responsabilizaram por essas vítimas. Uma e outra é que tiveram tratamento, mas não numa dimensão maior."

Enquanto isso, a situação de Ana degrada-se, com dificuldades respiratórias e cólicas, sob o olhar impávido das autoridades.

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Nádia Issufo
Nádia Issufo Jornalista da DW África
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