Viver em contentores em Angola: "Aqui não se vive"
31 de março de 2023Em Angola, mais de trinta famílias que em abril de 2020 viram as suas residências destruídas pelas fortes chuvas e outras pelo martelo demolidor do governo local, por alegadamente terem construído em zonas de risco nos bairros Tala-Hady e Sambizanga, cidade de Ndalatando, província angolana do Kwanza Norte, continuam a morar em contentores residenciais sem o mínimo exigido universalmente pelos direitos humanos.
Nzanji Kaleu, de 79 anos, diz que a administração municipal do Cazengo é a responsável pela demolição da sua residência: "Desde que vim aqui, nunca nos deram nada do governo. A minha casa foi partida no Sambizanga e foi o governo mesmo que mandou".
Três anos depois, a anciã continua a morar num contentor e as queixas são muitas: "Eu estou a sofrer mesmo no frio, quero só casa. Os outros já foram há muito tempo, eu estou a sofrer aqui, eu estou a dormir aqui, até ao dia de hoje estou a viver aqui", lamenta.
Faça sol ou faça chuva
Amilton Correia, outro morador dos contentores residenciais do bairro Katome de Baixo, em Ndalatando, viu-se igualmente desalojado há três anos, após as demolições decididas pela administração municipal do Cazengo.
À DW África, Correia descreve as péssimas condições de habitabilidade a que foi submetido: "Aqui é uma calamidade. Nós metemos a vida em Deus, porque aqui não se vive. Quando há sol, faz muito calor e quando há frio também é muito fresco. Quando chove aqui inunda".
"Outra preocupação são as casas de banho", continua. "A pessoa que está em cima, quando está a tomar banho, toda a água cai na casa de banho de baixo. Quando está a fazer uma necessidade e a pessoa de cima está a tomar banho, toda a água lhe jorra por cima do corpo. Temos também o medo do corrimão, porque os ferros já estão totalmente gastos e quando alguém sobe, tudo mexe".
As autoridades, afirma, já foram informadas: "Já avisámos tanto à administração para nos tirarem daqui, não nos dão nenhuma resposta. Nós estamos aqui a aguentar, porque não temos para onde ir. Queremos pedir socorro, pelo menos que o governador nos ouça".
Reassentados sem condições
Albertina Manuel é uma das sinistradas das enxurradas do memorável dia 03 de abril de 2020. Foi reassentada pelo governo do Kwanza Norte e tal como os desalojados pelas demolições, vive em condições muito precárias: "Quando faz ventania, até nos quartos entra água. Dormimos na humidade, na frescura", conta.
Bastaram 30 dias para as autoridades ignorarem a situação dos reassentados, acusa Albertina: "Depois de nos meterem aqui, no segundo mês, eles perderam a paciência, nunca mais vimos a administração". No local de realojamento onde mora há três anos, não cabe "nem uma cama de casal", afirma. "Não nos habituamos a viver numa arca. Isto é uma arca, não é uma casa".
Lina Lemos, ativista da SOS habitat, acompanha desde 2020 a situação dos sinistrados das chuvas de abril de 2020 e as vítimas cujas residências foram demolidas pelo governo local e reassentadas em contentores. Afirma que "a população está sempre a sofrer" e "os contentores são um atentado à vida humana". Segundo Lina Lemos, há "fossas ao ar livre, contentores mal higienizados, aí tem mais doença do que outra coisa".
Autoridades reconhecem problema
Às autoridades, a ativista lança um apelo: "A sociedade não pode ser só valorizada na campanha eleitoral, peço encarecidamente aos órgãos de direito que têm de resolver este problema da sociedade".
O administrador municipal do Cazengo, Malundo Katessamo, reconhece os constrangimentos que têm passado as famílias reassentadas naquela zona residencial do bairro Katome de Baixo. Justifica a situação com as limitações financeiras para a continuidade do processo de realojamento que aguardam há três anos pela concretização do sonho da casa própria.
"Apesar das grandes dificuldades que temos estado a enfrentar em consequência das crises económicas, estão em curso importantes projetos de construção de infraestruturas no âmbito dos programas de combate à pobreza (PCP) e do plano Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM)", garante, no entanto. "Não conseguimos fazê-lo neste ano, por dificuldades financeiras, mas tudo indica que no próximo ano daremos continuidade destes importantes projetos", promete.