África: Conseguirá o continente calar as armas em 2020?
13 de janeiro de 2020Apenas uma hora após o início do Ano Novo, duas mulheres morreram e 17 pessoas ficaram feridas em dois tiroteios em Joanesburgo, na África do Sul. Pessoas não identificadas atiraram indiscriminadamente em frente a um restaurante no distrito de Melville e na Praça Mary Fitzgerald.
Em entrevista à DW, Adèle Kirsten, diretora da organização "Gun Free South Africa" afirma que "a circulação de armas de fogo na África do Sul atingiu um ponto crítico".
Na África do Sul, a violência armada sempre ocorreu, principalmente, em casos de roubo, mas o fenómeno tem adquirido outras características no país. O tráfico ilegal de armas alimenta tanto pequenos crimes, como insurgências e terrorismo. A escala do fluxo varia e vai desde comboios que transportam uma grande quantidade de armas e munições até à comercialização em pequenas quantidades.
Desafio geral
Segundo Nicolas Florquin, investigador do projeto independente "Small Arms Survey", o tráfico de armas é um desafio, não só para a África do Sul, mas para os Estados africanos. "O que notamos nos últimos 10 a 20 anos é que, na verdade, é um fenómeno muito complexo com diferentes tipos de fluxos ilícitos de armas, que afetam diferentes tipos de sub-regiões em diferentes tipos de contextos. Na verdade, a maioria dos Estados participantes diz que o tráfico transfronteiriço dentro de África constitui a principal ameaça visível", explica.
Por trás do comércio ilegal de armas estão frequentemente traficantes de droga, milícias, caçadores furtivos, fabricantes locais e agentes de segurança corruptos.
Segundo o relatório "Weapons Compass", publicado pela Small Arms Survey, existem cerca de 35 milhões de armas de pequeno calibre não registadas em circulação no continente. E, avança a polícia sul-africana, 23 pessoas morrem diariamente por disparos de armas de fogo no país.
Na Nigéria, o Conselho de Segurança Nacional regista um milhão de armas de pequeno calibre a circular pelo país. Para lutar contra o contrabando, o governo nigeriano fechou as fronteiras com Camarões, Benin e Níger em outubro.
Em 2016, a União Africana adotou o plano ambicioso de silenciar as armas no continente até 2020. No entanto, África está longe de ter um cessar-fogo absoluto. Até porque, explica Omar Khalfan, cientista político da Universidade do Ruanda, "dos 54 Estados-membros da União Africana", apenas um número reduzido "aceita fatores determinantes que contribuiriam para resolver o problema", como são a boa governação, os valores democráticos, os princípios do Estado de Direito, e o "ter líderes e não governantes".
Para Omar Khalfan, "é impossível silenciar as armas, a menos que essas coisas importantes sejam consideradas e implementadas em 30 Estados-membros".
Recolha de armas
Por seu lado, a diretora da organização "Gun Free South Africa”, Adèle Kirsten, defende uma ação mais ousada da parte dos governos, que inclui a mobilização da população para a recolha em massa de armas.
"Estudos realizados, tanto na África do Sul como em outros lugares, mostram que este é um mecanismo eficaz para remover armas indesejadas, e sabemos que no passado recolhemos mais de 100 mil armas. Por isso, muitas vezes os proprietários de armas ou o lobby das armas dirão que só os proprietários legais de armas de fogo é que entregariam as suas armas e isso não é verdade. E mesmo que fosse, não gostariam que as pessoas que já não querem ter armas, ou que não estão autorizadas a tê-las, as entregassem? Isso reduziria o risco de morte acidental e ferimentos, de feminicídio, de suicídio e de roubo. Temos de querer as armas fora de circulação", diz.
Livre circulação
Para além dos desafios já citados no combate à circulação de armas de fogo nas suas fronteiras, África poderá ter de enfrentar mais um, pois a União Africana tem planos de intensificar a liberdade de circulação e o livre-comércio no continente.
Segundo analistas, se o direito à livre circulação se aplicar, as armas podem ser transportadas de um país onde podem ser legalmente adquiridas para países onde seriam ilegais.