África do Sul: Saques continuam e teme-se escassez de bens
15 de julho de 2021As autoridades contabilizam até agora pelo menos 72 mortos, mais de 1.700 detidos e pelo menos 200 centros comerciais saqueados nas províncias de Gauteng e KwaZulu-Natal, onde se concentra a agitação. O país suspendeu, entretanto, a administração de vacinas contra a Covid-19.
O total dos prejuízos económicos ainda está por apurar, mas o presidente da câmara de eThekwini, em KwaZulu-Natal, aponta para mais de 15 mil milhões de rands, o equivalente a mil milhões de euros, em danos, afetando mais de 40 mil negócios formais.
Mike de Freitas, gerente de uma loja em Joanesburgo, dá voz à desilusão dos trabalhadores e proprietários afetados. "É de partir o coração ver o que construíste e o que desapareceu. Passámos a vida toda a fazer algo para a comunidade e é isto que recebemos em troca – pilhagens. Quando é que isto vai acabar?", questiona.
Depois de seis dias de motins e pilhagens, o Presidente Cyril Ramaphosa advertiu que partes do país "poderão em breve enfrentar escassez de bens de primeira necessidade na sequência da ruptura das cadeias de abastecimento de alimentos, combustíveis e medicamentos".
"Postos de controlo" de civis
Entretanto, a população civil começou a defender-se dos saqueadores, bloqueando acessos a bairros e montando "postos de controlo" para proteger negócios, residências e comunidades.
A ministra da Presidência e do Desenvolvimento de Pequenas Empresas, Khumbudzo Ntshavheni, lançou um apelo aos sul-africanos: "Instamos a população a manter a calma e a exercer a contenção durante estes tempos difíceis. O Governo está a trabalhar com o Conselho Nacional de Bens de Consumo para garantir a segurança alimentar.
Outra preocupação, disse, "são os membros da comunidade que pegam em armas para tentar proteger as suas propriedades. Gostaríamos de exortar estas comunidades a trabalharem com as forças da ordem para acabar com os saques e a violência e a agir no âmbito do Estado de direito."
Fatores como a pandemia da Covid-19 e os confinamentos que levaram à recessão económica e ao desemprego crescente entre os jovens desempenharam um papel na eclosão dos protestos violentos.
Mas, para o analista sul-africano Ralph Mathekga, o Congresso Nacional Africano (ANC), o partido no poder, está no centro da questão. "O ANC tem uma crise de legitimidade. Os líderes do ANC são muito fracos e isto desencadeou-se dentro do partido. E a fraca liderança vê-se na incapacidade de travar os protestos. O ANC perdeu credibilidade a um ponto em que penso que é incapaz de persuadir as pessoas a deixarem de cometer erros", explica.
Estado de emergência?
O Presidente Cyril Ramaphosa, que se encontrou esta quarta-feira (14.07) com líderes dos partidos políticos, está a ser pressionado para declarar o estado de emergência no país, enfrentando críticas de vários quadrantes pela "demora" e "incapacidade" do Governo e das forças de segurança em restaurar a lei e ordem na África do Sul.
Analistas notam ainda que o chefe de Estado evitou, até agora, referir-se diretamente a Jacob Zuma, que aguarda a decisão do Tribunal Constitucional sobre o pedido de revisão da sentença de 15 meses por desobediência judicial, por não ter comparecido à comissão que investiga a corrupção durante o seu mandato. O ex-Presidente nega ter cometido um crime e condena o poder judicial pelo que descreve como um caso político.
Para Ralph Mathekga, a influência de Jacob Zuma sobre o ANC está a impedir o Governo de avançar. "O ANC nunca tomou uma posição firme em relação a Zuma, porque é politicamente difícil fazer isso. Não se pode apontar o dedo a Zuma. Quando a crise começou, ouvimos o ANC desejar-lhe felicidades para o seu recurso, mesmo com Jacob Zuma a desafiar o tribunal. E agora o mesmo Zuma que está preso está a usar os tribunais para sair da prisão, enquanto os seus aliados incendeiam o país", critica.