África do Sul: Perdão da Covid-19 exclui estrangeiros?
27 de outubro de 2020O Presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, decretou a 8 de maio o perdão da pena a mais de 19 mil reclusos, mas, na prática, só estarão a ser colocados em liberdade os nacionais, segundo as denúncias de alguns reclusos estrangeiros, incluindo moçambicanos.
A medida devia contemplar todos os reclusos de baixo risco e que já haviam cumprindo mais da metade das suas sentenças ou que a irão alcançar nos próximos cinco anos, como forma de reduzir a população de 155 mil reclusos, no âmbito do combate à sobrelotação das cadeias em tempos de Covid-19.
Segundo Ramaphosa, são excluídos da liberdade condicional os que cumprem a pena perpétua e os sentenciados por crimes graves, como é o caso de assassinatos, tentativa de assassinato, violência e abuso sexual contra a mulher e criança.
"Só saem da cadeia os nacionais"
Cinco meses depois deste anúncio, somente teria sido restituída a liberdade a cerca de 12 mil reclusos, por sinal, de nacionalidade sul-africana. É o que explica um moçambicano que falou à DW sob condição de anonimato: "Eles dizem que a parole (liberdade condicional) é um privilégio e não um direito. Dói muito, porque já cumpri o meu tempo de cadeia e já nos falaram do dia para sair daqui, que passou há muito tempo. Só estamos a ver os daqui [sul-africanos] a sair da cadeia".
Os estrangeiros contemplados pelo perdão das suas penas e ouvidos nos últimos três meses pelo Projeto de Justiça Wits alegam que depois de ouvidos pelo Ministério do Interior são devolvidos às celas, quando as regras ditam que deveriam ser enviados para o Centro de Repatriamento de Lindela.
"Os serviços correcionais afirmaram que não iríamos a lado nenhum até ao nível 1 [do confinamento obrigatório]. Agora estamos no nível 1 e mudaram de discurso, dizendo que o Ministério do Interior é que deve transferir-nos para Lindela. Mas o Ministério do Interior nada faz. Assistimos aos sul-africanos a serem libertados todos os dias", afirma o recluso moçambicano ouvido pela DW.
Burocracias impedem o progresso
As reclamações levantadas pelos reclusos seguem-se a uma série de queixas em resultado da sobrelotação e da fraca implementação de medidas de prevenção da Covid-19.
As autoridades sul-africanas justificam a demora na atribuição da liberdade condicional com a burocracia do processo pelo envolvimento de vários ministérios, como nos diz Ronald Lamola, Ministro da Justiça e dos Serviços Correcionais: "Este processo irá, também, incluir uma triagem abrangente dos reclusos, incluindo, mas não limitado a: coleta de impressões digitais e amostras de DNA por parte do Ministério da Polícia, solicitação do parecer do Ministério da Ação Social e dos Criminalistas, que são os critérios fundamentais para a atribuição da Liberdade Condicional".
Início do processo de repatriamento
Entretanto, o processo de diálogo entre o recluso e a vítima, outra condição para a obtenção da liberdade condicional, está a decorrer virtualmente como forma de prevenção da Covid-19.
Com a entrada em vigor do nível 1 do confinamento obrigatório, que ditou a abertura das fronteiras da África do Sul, a 1 de outubro, com os países vizinhos, os prisioneiros abrangidos pelo perdão presidencial e que aguardam desde março pelo regresso aos seus países de origem vêem a sua longa espera a chegar ao fim, com o início do processo de repatriamento.
Os funcionários do Ministério do Interior escalaram na última semana as cadeias em todo o território nacional, pela primeira vez depois de mais de seis meses de confinamento obrigatório devido à pandemia do novo coronavírus, para dar arranque ao processo.