África sofrerá efeitos da retração do financiamento chinês
18 de janeiro de 2021Foram décadas de empréstimos extravagantes. Mas agora os credores chineses estão a recuar nos investimentos.
É o que revela um estudo do Centro Global de Políticas de Desenvolvimento da Universidade de Boston, que aponta para uma queda acentuada dos empréstimos estrangeiros de dois grandes bancos de desenvolvimento chineses – o Banco de Exportação e Importação da China (EXIM) e o Banco de Desenvolvimento da China (CDB).
Os dados indicam declínio de o equivalente a 61 mil milhões de euros em 2016 para pouco mais 4 mil milhões de euros em 2019 - uma considerável retração de quase 94% em três anos.
Yan Wang, investigadora da Universidade de Boston - que trabalhou no Banco Mundial como economista ao longo de duas décadas - destaca que houve imposição de maior disciplina ao financiamento de projetos no exterior.
Wang explica que, em 2016, havia crédito excessivo e todas as instituições financeiras estavam a emprestar exageradamente. O EXIM e o CDB eram suspeitos de empréstimo excessivo ao longo dos anos e depois, a partir de 2017, houve um esforço para reverter este quadro.
"Os reguladores financeiros endureceram as normas, os dois bancos enfrentaram auditorias, painéis de inspeção, ações regulatórias e mais tarde até ações anticorrupção", lembra a investigadora.
O EXIM e o CDB estão sob a alçada do conselho de Estado chinês e são responsáveis por grande parte dos empréstimos para o desenvolvimento externo.
Fluxo financeiro para África
Dados da Universidade de Boston apontam que só entre 2008 e 2019, as duas instituições concederam o equivalente a 380 mil milhões de euros em empréstimos ao exterior - um número próximo do valor dispensado pelo Banco Mundial durante o mesmo período (384 mil milhões).
No continente africano, os empréstimos ultrapassaram o equivalente a 82 mil milhões de euros. Também aqui o recuo é palpável, confirma Martyn Davies, especialista em mercados emergentes e África da consultora Deloitte, em Joanesburgo.
Davies ressalta que foram implementadas diferentes medidas e que tem havido um olhar mais microscópico para muitos projetos - uma metodologia que pode não estar a ser exposta para a opinião pública.
"Estes não são números oficiais, não vamos ouvir estes números por parte do Banco EXIM ou do Banco de Desenvolvimento chinês. Não diria que são precisos, mas indicam uma tendência", salienta.
Aversão ao risco
Já Hannah Ryder, economista britânico-queniana a trabalhar em Pequim, é mais cautelosa. A diretora executiva da Development Reimagined realça que são poucos os que têm acesso aos dados oficiais. E avalia uma queda do crédito chinês em África bem menor da traçada pela Universidade de Boston.
Para Ryder, parece haver uma crescente aversão ao risco por parte de alguns bancos, que estão a avaliar se deveriam estar a emprestar tanto dinheiro a estes países que poderão estar a pedir muito crédito.
"O que eu não observei foi uma grande mudança na política doméstica no que diz respeito ao investimento chinês no estrangeiro. Por exemplo, há muitos incentivos ao nível provincial para as empresas irem para o exterior", pondera a economista.
Num ponto, os economistas estão de acordo: 2020 foi um ano excecional. A crise da Covid-19 está a fragilizar as economias africanas. Os governos estão sob pressão para continuarem a pagar o que devem, mas saldar as contas implica em menos recursos para as exigências da crise sanitária.
Wang, do Centro Global de Políticas de Desenvolvimento, explica que a pandemia acelerou os pedidos de perdão da dívida. O alívio destas obrigações tem estado a ser negociado entre Pequim e vários estados africanos.
"O lado chinês tem de levar em consideração os novos riscos do incumprimento da dívida. Por isso, é natural que a concessão de empréstimos continue a abrandar, dependendo da sustentabilidade da dívida de cada país, se ele se encontra em sobre-endividamento ou não", explica
Outra análise que tem de ser feita, mas do lado africano, diz Martyn Davies, é sobre a viabilidade dos projetos apoiados pela China, porque alguns "são autênticos elefantes brancos".
Para Davies, a ideia de que o dinheiro da China é gratuito em certos casos e que não procura retorno financeiro é uma interpretação ingénua. "Espero que esses mitos se dissipem definitivamente", afirma.
Critérios ambientais
Dos projeots analisados no estudo da Universidade de Boston, cerca de uma centena está localizada em áreas protegidas, mais de 100 em zonas povoadas por comunidades indígenas e cerca de 200 em habitats críticos.
A diretora-executiva da Development Reimagined defende que o financiamento para o desenvolvimento deve ser mais sustentável. Hannah Ryder admite que a decisão não está apenas nas mãos da China, até porque Pequim defende o princípio da não-interferência nos assuntos externos.
"Se um governo não tem sensibilidades ambientais onde estão a ser estabelecidos projetos, a visão da China é não vos vamos impor os nossos padrões", lembra Ryder.