Áustria enfrenta o seu passado nazista em Auschwitz
13 de outubro de 2021A Áustria levou muito tempo para decidir sobre como contaria a sua história durante o Terceiro Reich.
"O tempo tinha que amadurecer primeiro", explicou na semana passada Hannah Lessing, secretária-geral do Fundo Nacional da Áustria para as vítimas do nacional-socialismo, durante a abertura da nova exposição nacional, no antigo campo de concentração e extermínio e atual Memorial de Auschwitz-Birkenau.
Com o título "Distantes – Áustria e Auschwitz", a exposição trata sobretudo da forma como os judeus foram afastados da sociedade, deportados, esquecidos e aniquilados pela Áustria. Em comparação, a primeira exposição nacional no memorial, no ano de 1978, retratava o país como "a primeira vítima de Hitler".
Na abertura da nova exposição, o atual presidente da câmara baixa do Parlamento austríaco, Wolfgang Sobotka, destacou que essa descrição havia sido muito inadequada. "O retrato de execução, cumplicidade e conivência permaneceu em grande parte ignorado nas exposições anteriores, e especialmente na exposição de 1978", disse. "Os criminosos agora estão expostos aqui."
'Ostmark': uma região da Alemanha nazista
"A Áustria tem a peculiaridade de ter feito parte do Reich alemão", diz a historiadora Heidemarie Uhl. "Isso faz dela o único país europeu, além da Alemanha, que tem uma história explícita de execução [do nazismo]". Após a "anexação" da Áustria em 12 de março de 1938, a área hoje conhecida como Áustria foi incorporada ao Estado Nacional Socialista sob o nome de "Ostmark".
Os austríacos tornaram-se cidadãos do Reich alemão, e diversos deles participaram ativamente da política de ataque e extermínio organizada pelos nazistas. Entretanto, com o fim da Segunda Guerra Mundial e a proclamação da independência da Áustria em 27 de abril de 1945, a herança histórica austríaca desempenhou um papel importante.
Mito e identidade de vítima na Segunda República
A própria Declaração de Independência da Áustria em 1945 fazia referência à Declaração de Moscou de 1943, que descreveu a Áustria como "o primeiro país livre a cair vítima da agressão hitleriana, [que] deverá ser libertado do domínio alemão".
Porém, a mesma declaração também afirmava o seguinte: "A Áustria é lembrada, contudo, que tem uma responsabilidade da qual não pode fugir pela participação na guerra ao lado da Alemanha hitleriana, e que no acordo final inevitavelmente será levado em conta a sua própria contribuição à sua libertação".
Mesmo assim, a Áustria apresentou-se como a primeira vítima de Hitler. O mito da vítima foi usado nas negociações do Tratado de Estado de 1955, após o qual a Áustria recuperou a plena soberania, nos debates sobre a restituição, e também serviu para isentar moralmente a população austríaca. Debates sérios sobre seu passado nazista e o anti-semitismo foram evitados por décadas, e figuras importantes da política e da história discutiam ainda no século 21 sobre a contribuição exata da Áustria para os crimes nazistas.
Insensibilidade à injustiça
O caso Waldheim, em 1986, tornou-se um ponto de inflexão. Ex-diplomata e presidente austríaco, Kurt Waldheim começou sua carreira em 1947 como membro do Partido Popular da Áustria (ÖVP) e depois foi ministro das Relações Exteriores e secretário-geral da ONU.
Quando ele concorreu ao cargo de presidente austríaco, em 1986, a revista semanal profil publicou uma pesquisa sobre o passado nazista de Waldheim, incluindo sua filiação à Wehrmacht, as Forças Armadas alemãs. Sua biografia também não fazia menção ao fato de que ele tinha se envolvido na deportação de judeus da Grécia em 1942.
Sua abordagem insensível sobre o seu passado ficou evidente em declarações como: "Não fiz mais nada na guerra do que centenas de milhares de austríacos, cumpri meu dever como soldado". Em 1987, Waldheim foi colocado em uma lista de vigilância norte-americana que proibia a sua entrada nos Estados Unidos como pessoa privada até que as acusações contra ele fossem esclarecidas.
Uma comissão de historiadores iniciada pelo próprio Waldheim não conseguiu provar envolvimento direto ou cumplicidade, mas concluiu que ele, ao contrário de suas declarações, deve ter tido conhecimento de crimes de guerra nos Bálcãs.
Simon Wiesenthal, fundador do centro de documentação da Associação das Vítimas Judaicas do Regime Nazista, exigiu na época a renúncia de Waldheim. Mas ele permaneceu no cargo, apesar de as críticas nunca terem cessado e o isolamento internacional ter continuado. O caso deixou claro que a Áustria não tinha chegado a um acordo sobre o seu próprio passado nazista. O controverso presidente polarizou a sociedade, e atuou como um catalisador para uma discussão pública sobre o mito da vítima.
Pressão de dentro e de fora
Após a queda do comunismo, cresceu na Áustria a convicção política de que o país deveria abordar o reconhecimento e a reavaliação das injustiças do Terceiro Reich. Um marco importante foi um discurso do chanceler federal Franz Vranitzky em 1991, no Parlamento do país, no qual ele reconheceu a cumplicidade dos austríacos na Segunda Guerra Mundial e as consequências disso. Uma comissão de historiadores foi formada em 1998 para realizar uma profunda reavaliação do saque de propriedade judaica, e apresentou seu relatório final com 49 volumes em 2003. As discussões internas foram tão importantes para o processo quanto as pressões externas.
O direitista FPÖ, que esteve no governo de 2000 a 2005 e de 2017 a 2019, teve particular dificuldade com isso. Diversas vezes, políticos do FPÖ atraíram os holofotes devido a lapsos antissemitas. "Nesse período, a FPÖ mudou sua estratégia", e agora manifestar-se contra eventos que relembrem esse passado não é mais possível na legenda, diz Heidemarie Uhl.
Localmente desafiador
Em geral, esse processo não foi direto nem constante. Por exemplo, os eventos de rememoração organizados em 2005 foram recebidos de maneira crítica. Enquanto a Europa se concentrou em lembrar da libertação do domínio nazista em 1945, a Áustria celebrou a história de sucesso da sua Segunda República.
Além disso, embora a vontade política de enfrentar o passado tenha ficado clara, especialmente nos últimos anos, segue forte o desafio de fazer isso chegar às camadas mais profundas da sociedade.
"Onde há laços emocionais e geracionais, pode haver grandes tensões entre o compromisso nacional de enfrentar o passado e o cometimento de crimes por pessoas ou instituições", diz Uhl.
Distância e reaproximação
A atual exposição nacional austríaca no Memorial de Auschwitz-Birkenau passou por uma revisão histórica que durou 10 anos. "A exposição é um sinal muito importante de que a Áustria chegou a um acordo sobre seu passado", diz Uhl, acrescentando que essa memória deveria permanecer no centro das sociedades alemã e austríaca, e em cada nova geração.