Quando eu era criança, Ana Moser era uma das minhas ídolas. Afinal, foram as "meninas do vôlei", grupo que incluía também a maravilhosa Isabel Salgado, morta em 2022, que nos mostraram, lá nos anos 80, que esporte também era coisa de menina.
Nossas ídolas não nos decepcionaram. Cresceram e continuaram sendo exemplo, agora provando que mulheres podem fazer a diferença em causas sociais, na educação e também na política.
Moser é incansável. E, em 2001, criou o Instituto Esporte Educação, que forma professores, oferece educação esportiva para crianças de periferia, entre suas muitas e fundamentais atividades. Ana Moser, como todo mundo sabe, foi demitida do cargo de ministra do Esporte na semana passada.
Ana, com essa experiência e milhões de ideias e vontade de trabalhar, foi substituída por André Fufuca, que tem como "destaques” na carreira o fato de ter sido eleito deputado estadual pelo Maranhão com apenas 21 anos, antes mesmo de se formar em medicina. Seu pai é um político influente no estado. Hoje, Francisco Dantas, conhecido como Fufuca Dantas, é prefeito de Alto Alegre do Pindaré, no Maranhão.
Fufuca, o filho, encarna o exemplo perfeito do "macho, adulto, branco, sempre no comando", do "garoto” mimado, que recebe tudo na mão, ou, como disse uma amiga, ele "tem cara de quem sempre ganhou o jogo por ser "dono da bola".
Sim, esses homens brancos, herdeiros, que remetem ao tempo das Capitanias Hereditárias, continuam agindo como donos da bola. E, no jogo político brasileiro, colocam facilmente uma Ana Moser de escanteio.
Toma lá dá cá
A troca de Moser por Fufuca aconteceu em nome da governabilidade, ou seja, como uma maneira do presidente Lula agradar o "Centrão”, o grande grupo político que dá as cartas no Congresso, e assim conseguir governar.
Em outras palavras, alguns ministérios são "dados" para esse grupo para que medidas sejam aprovadas. É o tal do "toma lá dá cá", velho conhecido da política brasileira e praticado pela maioria dos governantes.
É terrível que seja assim. E há algo de muito errado nesse sistema. Mas é ainda mais revoltante que mulheres (que já são minoria absoluta na política) sejam as primeiras a serem rifadas.
Na ocasião da saída de Ana Moser, até a primeira dama, a socióloga Janja da Silva, afirmou que "também não estava feliz".
O ministério do governo Lula começou com 26 ministros homens e 11 ministras mulheres. Nove meses depois, o número de representatividade feminina já caiu. Hoje, o governo é formado por 24 ministros e 9 ministras. Antes de Ana Moser, Daniela Carneiro, que ocupava a pasta do Turismo, já havia sido trocada por Celso Sabino em julho em outra manobra para agradar o Centrão. Quantas ministras mulheres restarão até o fim do governo?
Mulheres extraordinárias
E não estamos falando apenas de representatividade (que, sim, importa) mas também de talento e preparo. É revoltante que profissionais competentes, que trabalharam a vida toda por uma causa, como Ana Moser, sejam trocados por "Fufucas”, que para conseguir espaços privilegiados só precisam nascer.
Existem muitos "Fufucas” no Brasil. Como mulher branca de classe média criada no interior, até conheço pessoalmente alguns deles. É interessante perceber como tudo vem de graça para esses sujeitos, que só precisam fazer o mínimo (e às vezes nem isso).
Enquanto isso, mulheres, indígenas e negros, para conseguir espaço, precisam ter uma vida de dedicação e fazer coisas incríveis. Para ter uma ideia disso, é só dar uma olhada no currículo, por exemplo, de Marina Silva, a ex-seringueira, ex-deputada e senadora, que se tornou uma das maiores autoridades mundiais em preservação da Amazônia. Ou na história de Anielle Franco, que também foi jogadora de vôlei, é professora, tem mestrado e doutorado, e criou o Instituto Marielle Franco enquanto passava pela maior dor da vida, o assassinato da sua irmã, Marielle, em 2018.
Muitas das mulheres que chegam em altas esferas do poder são extraordinárias. E, mesmo assim, são as primeiras a "dançar”.
Em entrevista ao UOL, Ana Moser falou sobre a misoginia enfrentada pelas mulheres no governo. "Todas as mulheres sofrem isso nessa gestão desde o início, especialmente da direita. Existe essa estratégia de atacar e diminuir a credibilidade e a capacidade das mulheres na gestão.”
Sim, mulheres têm imensa dificuldade de chegar ao poder. E, quando chegam, são atacadas e diminuídas. É revoltante mesmo.
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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo "02 Neurônio". Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.
O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.