2024: o superano de eleições pelo mundo
1 de janeiro de 2024Uma supermaratona eleitoral vai ocorrer em 2024 da África à Ásia, das Américas à Europa. Serão mais de 40 eleições nacionais ou transnacionais pelo mundo, em países que concentram mais de 40% da população mundial.
Entre os países que vão às urnas há gigantes geopolíticos que estão entre as maiores democracias do mundo, como os Estados Unidos e a Índia. Há ainda nações menores, mas que estão no centro de crises, como Taiwan e Venezuela. Há ainda eleições consideradas meramente encenações de regimes autocráticos, como Rússia, Belarus, Ruanda e Irã, onde a oposição foi sufocada ou não tem chance de disputar pleitos livres.
Outras eleições, como no Paquistão, Indonésia e Bangladesh também vão envolver centenas de milhões de eleitores. No continente africano, o superano de eleições envolve potências como a África do Sul e o país mais pobre do mundo, o Sudão do Sul. Na América Latina, eleitores vão escolher os novos governos de El Salvador, México, Uruguai e Panamá. Já o Brasil será palco de eleições municipais.
Na Europa, as atenções vão estar voltadas tanto para a eleição do Parlamento Europeu quanto para votações nacionais no Reino Unido, Bélgica, Áustria, Croácia e Portugal, que vão eleger novos governos. A Alemanha não tem eleições nacionais em 2024, mas três pleitos estaduais no leste do país serão encarados com atenção por causa da possibilidade de crescimento expressivo da ultradireita.
Confira algumas das principais eleições de 2024:
Taiwan – eleição sob a sombra da disputa China x EUA – 13/01
A primeira eleição encarada como decisiva em 2024 vai ocorrer em Taiwan, que está no centro da crescente rivalidade entre a China e os Estados Unidos. Em janeiro, os eleitores dessa ilha de 23 milhões de habitantes vão escolher seu próximo presidente.
Geopoliticamente, Taiwan se encontra numa situação delicada: a ilha é uma democracia vibrante, mas vive sob a sombra da ditadura comunista da China, que considera Taiwan uma província rebelde e tenta reabsorver o território. Ao mesmo tempo, Taiwan é uma aliada militar dos EUA.
E essa disputa está refletida no pleito, que ocorre em um momento em que Pequim aumenta a pressão militar sobre a ilha. De um lado, está o primeiro colocado nas pesquisas, o atual vice-presidente Lai Ching-te, do Partido Democrático Progressista (DPP), considerado pró-independência e próximo dos EUA. Do outro, o prefeito Hou Yu-ih, do Kuomintang, que defende uma aproximação com a China. Ambos têm trocado acusações. Lai tem afirmado que as posições do Kuomintang podem colocar a democracia da ilha em risco. Já Hou acusa o DPP de colocar Taiwan em uma rota de guerra com seu vizinho poderoso.
Há ainda um terceiro candidato, o cirurgião e político novato Ko Wen-je, do Partido Popular de Taiwan, que embolou a campanha ao crescer entre os eleitores indecisos com uma proposta de "terceira via".
Índia – a dominância do nacionalismo hindu de Modi – abril/maio
Maior democracia do mundo, com 1,4 bilhão de habitantes e cerca de 900 milhões de eleitores, a Índia vai às urnas entre abril e maio em um pleito que está sendo visto como um teste para a popularidade do primeiro-ministro Narendra Modi, que busca mais um mandato.
Seu Partido do Povo Indiano (BJP) está no poder desde 2014 e vem mantendo popularidade entre a maioria hindu do país com uma mistura de expansão do Estado de bem-estar social, obras de infraestrutura e discurso ultranacionalista, além de ter ajudado a projetar ainda mais a Índia geopoliticamente.
Críticos, no entanto, apontam que as ações de Modi também alienaram algumas minorias do país, como muçulmanos e sikhs. Ainda assim, Modi chega à eleição como o favorito e exibindo um índice de aprovação superior a 70%, deixando pouco espaço para a oposição, que formou uma coligação de mais de 20 partidos para tentar enfrentar o premiê. Recentemente, o BJP ganhou três eleições regionais consideradas um termômetro para o pleito nacional.
México – país pode eleger primeira mulher como presidente – 02/06
Embora o desfecho final seja desconhecido, uma coisa é quase certa: o México deve sair da eleição presidencial marcada para junho com a eleição pela primeira vez de uma mulher para o mais alto cargo do país. Isso porque, no momento, entre os dois candidatos mais bem posicionados estão duas políticas.
Com o atual presidente Andrés Manuel López Obrador (conhecido pela sigla AMLO) impedido de concorrer a um novo mandato, espera-se que seus altos índices de aprovação sejam transferidos para a candidata governista Claudia Sheinbaum, do partido Movimento Regeneração Nacional (Morena). Nas últimas pesquisas disponíveis, essa ex-prefeita da Cidade do México, de 61 anos, aparecia com mais de 45% das intenções de voto.
Na segunda colocação, quase 20 pontos atrás, está a a senadora de direita Xóchitl Gálvez, de 60 anos e de origem indígena, que representa a coligação Frente Ampla pelo México.
Estados Unidos – repetição do duelo Biden x Trump? – 05/11
A eleição mais esperada e impactante de 2024 pode ser a repetição de um duelo já visto nos EUA em 2020, com uma disputa de dois projetos antagônicos: a moderação de centro do atual presidente democrata Joe Biden e o nacionalismo de ultradireita do ex-presidente republicano Donald Trump.
No momento, os dois ainda disputam as indicações de seus respectivos partidos. Com Biden ocupando a Presidência e sem adversários relevantes na legenda democrata, é certo que sua indicação esteja assegurada.
Trump, por sua vez, também é o favorito por ampla margem para conquistar a indicação entre os republicanos, mas há dúvidas se seus problemas legais – vários deles ligados à tentativa de golpe de 6 de janeiro de 2021 – podem causar problemas para sua candidatura. No caso de Biden, a idade – ele vai estar próximo do seu 82° aniversário na época da eleição – também levanta dúvidas entre eleitores democratas.
Rússia – eleição de fachada do regime de Putin – 15/03-17/03
No poder desde o final de 1999, Vladimir Putin promoveu uma mudança constitucional em 2020 para poder continuar concorrendo à Presidência. Em 2024, ele disputará sua quinta eleição presidencial – pelas atuais regras, ele pode ficar no poder até 2030.
Observadores não esperam uma eleição livre e justa em 2024 – ainda mais em um período em que a Rússia trava uma guerra de agressão contra a Ucrânia e a oposição ao Kremlin permanece silenciada, presa ou no exílio. Há pouco mais de três meses do pleito, o regime já barrou diversos candidatos, como o ativista Alexander Navalny – atualmente preso – e a jornalista Yekaterina Duntsova, que teve recentemente seu registro negado.
Não seria a primeira vez que o regime de Putin promove eleições de fachada para encenar uma aparência de normalidade. O último pleito presidencial, em 2018, já havia sido marcado por acusações de fraude. Na ocasião, Putin foi reeleito com mais de 77% dos votos numa disputa contra candidatos pouco competitivos e que, segundo observadores, só tiveram a permissão de concorrer para uma dar uma aparência de legitimidade para o pleito.
Eleições europeias – a escolha do primeiro Europarlamento pós-Brexit e teste para populistas – 06/06-07/06
As eleições europeias realizam-se de cinco em cinco anos nos 27 países-membros da UE, cabendo aos eleitores escolher seus representantes no Parlamento Europeu, a principal instituição democraticamente eleita do bloco. Esta vai ser a primeira eleição para o Europarlamento desde a saída definitiva do Reino Unido da UE.
Um pleito gigantesco em termos de número de eleitores, as eleições europeias costumam contar com fraca participação de eleitores – o comparecimento em 2019 foi pouco acima de 50%.
Um dos pontos a serem observados na eleição é se políticos populistas de direita ou de ultradireita ganharão mais espaço no Parlamento da UE, como aconteceu recentemente em algumas eleições parlamentares nacionais, notadamente na Holanda. O próximo Europarlamento terá a intrincada tarefa de debater e regular o Acordo Verde Europeu – o plano da UE para se tornar o primeiro continente com impacto neutro no clima até 2050.
Eleições no leste alemão – ultradireita tenta mostrar força – setembro
Eleitores dos estados alemães de Brandemburgo, Saxônia e Turíngia – todos no leste do país – vão comparecer às urnas em setembro. O triplo pleito deve ser encarado como um teste de força para o partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD), que tem o leste como sua principal base eleitoral.
No final de 2023, pesquisas apontavam que a legenda pode conseguir mais de um quarto dos eleitores em cada um dos estados. Na Turíngia, o partido aparece desbancando A Esquerda – sigla em parte formada por remanescentes do antigo partido comunista da Alemanha Oriental.
Eventuais triunfos eleitorais da AfD nesses três estados orientais podem levar a dificuldades de governabilidade, com outros partidos tradicionais sendo obrigados a costurar coalizões cada vez mais complexas para tentar barrar a influência da ultradireita nos parlamentos estaduais.
Na Turíngia, em 2020, o crescimento da AfD já havia provocado uma crise política e a consequente formação de uma tríplice coalizão entre A Esquerda, o Partido Social-Democrata (SPD) e o Partido Verde, que mesmo assim não conseguiu maioria no parlamento local.
No momento, a ultradireita alimenta a esperança de que um novo crescimento possa eventualmente levar os conservadores da União Democrata-Cristã (CDU) – hoje o maior partido de oposição da Alemanha – a cooperar com a AfD, o que poderia marcar finalmente a entrada da legenda em coalizões estaduais de governo.
África do Sul – disputa mais competitiva desde o fim do apartheid – ainda sem data marcada
No poder desde o fim do regime racista do apartheid, em 1994, o Congresso Nacional Africano (CNA na sigla em inglês) passou as últimas três décadas desfrutando de uma maioria confortável no Legislativo sul-africano, garantindo ainda a Presidência do país. No entanto, a persistente crise econômica, alto desemprego e índices de violência e sucessivos escândalos de corrupção envolvendo figuras do partido, minaram pouco a pouco a hegemonia do CNA.
Agora, após uma série de maus resultados em eleições regionais, há expectativa que o CNA não consiga pela primeira vez superar a marca de 50% dos votos. Ainda assim, o enraizado CNA deve se manter como maior partido, mas sendo obrigado pela primeira vez em décadas a formar um governo de coalizão com outras legendas.
Venezuela – regime chavista vai finalmente permitir eleições justas? – ainda sem data marcada
Após anos de instabilidade, a Venezuela vai às urnas para em outubro para eleger um novo presidente. O pleito ocorre no âmbito do Acordo de Barbados, firmado com a oposição, e que permitiu o relaxamento de parte das sanções econômicas ao regime chavista impostas pelos EUA.
Mas ainda assim persistem dúvidas se o regime, no poder desde 1999, vai finalmente permitir eleições justas. Até o momento, o governo de Nicolás Maduro tem mandado sinais preocupantes.
É considerado certo que Maduro, que ocupa a Presidência desde 2013, deve concorrer a um novo mandato. Mas quem vai enfrentá-lo nas urnas permanece uma incógnita. O principal nome da oposição é a liberal María Corina Machado, que recebeu 90% dos votos nas primárias da oposição em outubro. No entanto, em julho, ela foi impedida pela Justiça – controlada pelos chavistas – de disputar mandatos pelos próximos 15 anos.
A tática já foi usada em outros pleitos organizados pelos chavistas. Mesmo em eleições anteriores sem fraude aparente na contagem de votos, o regime usou intimidação e amplo uso da máquina pública para garantir sua permanência. E, em casos em que a oposição conquistou prefeituras e governos estaduais, o regime redesenhou as atribuições das administrações para esvaziar o poder da oposição, muitas vezes estabelecendo executivos e legislativos paralelos. Portanto, mesmo no caso de um triunfo da oposição, permanecem dúvidas se os chavistas estariam dispostos a uma alternância de poder.
Reino Unido – fim da linha para os conservadores? – ainda sem data marcada
A data limite para a próxima eleição legislativa do Reino Unido é 28 de janeiro de 2025, mas há expectativa que o pleito seja convocado ainda em 2024.
Sondagens indicam que o pleito deve acabar com reinado do Partido Conservador, que já dura 13 anos, e marca uma volta dos trabalhistas ao poder. No período de domínio dos tories, como são chamados os conservadores do país, o Reino Unido foi palco de uma série de sobressaltos, como o Brexit, o tumultuado governo de Theresa May, os escândalos da era Boris Johnson e o derretimento financeiro no curto governo de Liz Truss.
Tomados por divisões e rivalidades internas e cada vez mais à direita, os conservadores devem chegar à eleição com o atual premiê Rishi Sunak tentando agitar o eleitorado em temas como combate à imigração, mas as pesquisas indicam uma derrota estrondosa. Já os trabalhistas, liderados no momento pelo centrista Keir Starmer, aparecem na liderança com folga na maioria das sondagens.