A última joia de Maduro
31 de janeiro de 2019Por muitos anos, a equação era muito simples para o governo de Caracas: o petróleo cru da Venezuela chegava aos EUA de navio. Lá, a Citgo recebia a mercadoria. A subsidiária da estatal petrolífera PDVSA refinava o produto em suas próprias refinarias e vendia a gasolina nos postos Citgo. Os dólares de lucro iam então para Caracas.
Embora os EUA e a Venezuela tenham estado, pelo menos retoricamente, no limiar de uma guerra desde a chegada ao poder de Hugo Chávez, em 1999, a Citgo continuava a fazer negócios, e em Caracas choviam dólares.
É com isso que o governo Trump quer acabar agora. Todo o negócio petrolífero venezuelano nos EUA está autorizado a continuar, mas dólares só chovem nas chamadas contas bloqueadas. O governo americano quer agora tornar essas contas acessíveis ao autoproclamado presidente interino Juan Gaidó.
Para o cientista político venezuelano Ivo Hernández, pesquisador da Universidade de Münster, no oeste da Alemanha, essa medida tem algo de histórico. "Os Estados Unidos eram a única fonte regular de divisas para Venezuela – a curto e médio prazo, este é um duro golpe para Maduro", avalia.
Günther Maihold, do Instituto Alemão de Relações Internacionais e Segurança (SWP), não é tão incisivo. "Agora vai depender de quais fontes alternativas de receita a Venezuela pode dispor agora”, pondera.
Maduro ficou visivelmente irritado com a decisão de sanção dos EUA. "Eles querem nos roubar a Citgo", acusou em um discurso televisionado, acrescentando que a Venezuela vai apelar aos tribunais americanos contra a decisão.
A Citgo já tem mais de 100 anos. Na década de 1980, era uma das maiores empresas de petróleo dos EUA. Em 1986, a PDVSA comprou metade da companhia, depois, em 1990, comprou a totalidade.
Quem quiser entender o significado da Citgo para a Venezuela de hoje, precisa olhar para a PDVSA. A estatal do petróleo da Venezuela operou de forma autônoma por décadas, foi muito lucrativa e também se expandiu para o exterior.
Hugo Chávez tentou usar as receitas da PDVSA para financiar seus programas sociais. Funcionários da PDVSA desafiaram Chávez com meses de greve geral. O presidente venceu.
"Os trabalhadores da PDVSA são a favor desta revolução, e aqueles que não são, devem ir para outro lugar, vão para Miami", disse Chávez. Em 2003, ele declarou 18 mil grevistas da PDVSA como "inimigos do Estado" e os demitiu.
Os críticos também veem a tomada completa da companhia pelo Estado como o começo do declínio do setor petrolífero venezuelano. Gradualmente, os socialistas foram se livrando das participações internacionais na PDVSA. Em 2010, as ações da Ruhr Öl Gmbh – uma joint venture com a BP que tinha quatro refinarias na Alemanha – passaram para a companhia de petróleo russa Rosneft.
Dos quase 3,5 milhões de barris por dia em 1998, a taxa de produção da Venezuela caiu para menos de 2 milhões de barris em 2017. No ano passado, devido à crise econômica, o país exportou apenas 1,2 milhão de barris, segundo estimativas da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep).
A Citgo afirma ser capaz de processar 750 mil barris por dia em suas refinarias nos EUA. O restante do petróleo da Venezuela vai para a Rússia e a China, segundo o cientista político e especialista em energia Hernández. "Mas provavelmente não há dinheiro novo, pois as remessas são usadas como contrapartida por empréstimos."
Na verdade, Maduro provavelmente estaria no fim se não fossem seus apoiadores na China, Turquia, Irã e Rússia. Segundo relatos, somente a China poderia ter gasto entre 50 e 60 bilhões de dólares em empréstimos, pagos com petróleo. Nos 11 primeiros meses do ano passado, segundo a agência de notícias econômicas Bloomberg, a China importou 340 mil barris de petróleo por dia.
Na Venezuela, mais de 90% de toda a receita cambial vêm das exportações de petróleo. Como a última joia comercial no exterior, a Citgo é, portanto, a fonte vital de divisas de Maduro. Mas mesmo na Citgo, da outrora orgulhosa rede de cerca de 14 mil postos de gasolina, restam apenas cerca de 5 mil; das oito refinarias de antigamente, permanecem só três.
Como o regime de Maduro sofre de dificuldades financeiras crônicas, a Venezuela doou 49,9% das ações da Citgo como garantia ao grupo russo Rosneft. No geral, estima-se que a Rússia já tenha doado 17 bilhões de dólares à Venezuela.
É por isso que a Rússia defende a Venezuela, criticando as sanções dos EUA. O Kremlin afirmou que defenderá seus interesses "dentro do quadro jurídico internacional".
O especialista em América Latina Günther Maihold, do SWP, afirma que quase não há dados confiáveis da Venezuela. "Devido ao fato de que a cooperação com organizações internacionais cessou, a Venezuela não está mais fornecendo dados", frisa.
Maihold vê problemas legais nas ações dos EUA. "Você não pode simplesmente ignorar as relações de propriedade. Isso contradiz não só as regras da economia mundial como também da economia dos EUA."
John Bolton, conselheiro de segurança nacional de Trump, quer congelar diretamente 7 bilhões de dólares em ativos. Através do negócio do petróleo, podem ser somados outros 11 bilhões no decorrer do ano.
Se os EUA realmente fizerem isso, a Venezuela poderá parar de fornecer petróleo cru à Citgo. "Mas mesmo a curto e médio prazo, nenhuma nova fonte de receita deverá ser encontrada”, acredita Ivo Hernández, observando que há diversos tipos de petróleo. "As refinarias são especializadas em determinados tipos", explica o especialista venezuelano.
A rapidez com que o governo venezuelano poderá encontrar novas fontes de divisas vai depender da disposição de seus aliados no exterior permanecerem leais a Maduro. Pelo menos os mercados financeiros são céticos e acreditam que Maduro não durará muito mais tempo.
Segundo o Financial Times, os preços dos títulos do governo venezuelano e dos títulos da PDVSA aumentaram significativamente. Os investidores já estão especulando sobre uma mudança de poder e investem nos papéis. Acima de tudo, eles esperam obter bons lucros com a reconstrução do setor petrolífero.
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