A beleza involuntária dos resquícios industriais
30 de dezembro de 2003Trata-se, segundo os próprios artistas, de “esculturas anônimas”. São minas de carvão, fornos, reservatórios de água, gasômetros ou tubos de refinarias. Os objetos são escolhidos pela “ausência de propósitos estéticos. O assunto nos atrai pelo fato de que essas construções, que em princípio estão destinadas a desempenhar uma mesma função, apareçam em uma diversidade enorme de formas”, esclarecem Bernd e Hilla Becher.
Ausência de “ruídos visuais” - Há mais de 40 anos registrando com suas câmeras os restos deixados pela era industrial, o casal de artistas exclui de suas fotografias o rastro humano, banindo de suas reproduções quaisquer “ruídos visuais”, sejam estes pessoas, sombras ou distorções de perspectiva.
O objeto – um reservatório de água, por exemplo – é completamente isolado de seu meio e fotografado em preto e branco. A luz sempre difusa, típica do outono europeu, põe “em cena” objetos autônomos, como torres de mineradoras ou fornos de fábricas.
Precisão objetiva - Na contracorrente da fotografia abstrata dominante a partir dos anos 60, Bernd e Hilla Becher optam pela precisão, em uma linguagem fotográfica objetiva, concentrada em poucos grupos de objetos. A verve documental do trabalho registra com freqüência uma ameaça de destruição, desmoronamento ou abandono dos objetos.
O que chama a atenção é o fato de os complexos industriais retratados pelos artistas surgirem como elementos fixos, dando a impressão de que foram ali ancorados, postos no chão, distantes de qualquer glamour de um projeto arquitetônico.
Tipologias - Ordenadas em sistemas, que os artistas chamam de “tipologias” - e que revelam talvez o “germanismo” da linha de trabalho - as fotografias de Bernd e Hilla Becher são expostas em série, formadas por fotografias com o mesmo formato em blocos de 9 a 15 reproduções.
Estes são criados a partir de critérios funcionais, regionais, históricos, estéticos ou mesmo geográficos (As Minas de Carvão do Ruhrgebiet ou as Torres de Água de Chateaux d’Eau), revelando a diversidade através da repetição em um processo que lembra a atividade de um colecionador enciclopédico.
Cinqüenta destas tipologias estão até o próximo 12 de abril de 2004 expostas no Museu K21 em Düsseldorf, cidade onde Bernd e Hilla Becher trabalham como professores da Academia de Artes, tendo formado um grupo de fotógrafos, que no circuito de artes alemão chega a ser chamado de Escola Becher.
Formalismo - Se o caráter documental do trabalho dos artistas pode ser atribuído ao registro do abandono a que vão sendo fadadas antigas fábricas na era pós-industrial, o formalismo e a “neutralidade” das fotos em preto e branco remetem à Nova Objetividade (Neue Sachlichkeit) dos anos 20, lembrando o trabalho de nomes como Albert Renger-Patzsch ou August Sander.
Ao mesmo tempo, a precisão técnica ao expor detalhes vai buscar na minimal art suas raízes, expondo ao observador o que um jornal alemão chamou já nos anos 60 de “beleza involuntária dos complexos industriais”.