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A bomba fiscal que explodirá em 2019

13 de março de 2018

Em meio a instabilidade política e crise econômica, Brasil não cumprirá a chamada regra de ouro no ano que vem, apontam economistas. Mecanismo constitucional proíbe que governo se endivide para pagar despesas correntes.

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Brasilianischer Real-Währung
Foto: picture-alliance/dpa/L. Schulze

O cenário de instabilidade da política brasileira, refletido nas incertezas sobre quais serão os candidatos à eleição presidencial deste ano, deve contribuir para detonar uma bomba fiscal no país. Economistas são unânimes ao afirmar que o Brasil não vai cumprir a chamada regra de ouro em 2019 – fato já admitido, mas pouco debatido, em especial entre a classe política.

A regra de ouro é um princípio estabelecido no artigo 167 da Constituição Federal Brasileira e regulamentada pela Lei de Responsabilidade Fiscal, de 1999. Significa que é preciso haver controle sobre os limites de endividamento do governo e, supostamente, pressupõe uma proteção aos investimentos.

Em outras palavras, explica Manoel Pires, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a regra diz que o governo só pode se endividar se for para uso dos recursos em investimento. Com a recessão dos últimos dois anos, o governo passou a se endividar para pagar despesas correntes, aponta Pires.

O governo Michel Temer já propôs uma revisão da regra de ouro, mas devido à intervenção federal no Rio de Janeiro, não se pode mexer na Constituição. Além disso, a proximidade da eleição dificulta qualquer possibilidade real de votações polêmicas ocorrerem no Congresso.

O fato é que o governo federal precisa enviar em agosto o Orçamento Geral da União ao Congresso, e nele deve constar a previsão do déficit. Para que o presidente da República não seja acusado de crime de responsabilidade, deve pedir uma espécie de "licença temporária" para descumprir a regra de ouro.

"Em uma situação normal, a regra de ouro é bastante razoável, plausível", advoga o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, considerado um dos "consultores" mais ouvidos atualmente pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Retroalimentação da crise

A encrenca, segundo ele, é que o país vive uma flutuação econômica de grandes proporções, provocada pelos desajustes da política econômica. O índice de desemprego atingiu, no auge, 14 milhões de pessoas, e o déficit público saltou de 0,6% do PIB em 2014 para 3,8%.

Numa crise, enfatiza o economista, é impossível cumprir a regra de ouro, e mudá-la não seria inédito. Recentemente, a Europa e os Estados Unidos usaram o mesmo expediente de flexibilização de regras ficais, em especial após a crise de 2008.

"Cumprir a regra significa que você vai agravar a situação. Quando se tem uma queda brutal da receita, onde você corta? É óbvio que numa situação como essa a regra de ouro implica você reduzir o gasto de investimento e se financiar para o gasto corrente e o gasto com juros", alerta Belluzzo, economista com profundo conhecimento de política e do Congresso, tendo exercido, por 20 anos, assessoria para o ex-presidente da Câmara Ulysses Guimarães, um ícone da política brasileira.

Segundo o economista Samuel Pessoa, que em 2014 foi consultor da campanha de Aécio Neves (PSDB) à Presidência, é inevitável que a bomba fiscal exploda no colo do próximo presidente.

"Eu tenho dificuldade em entender por que alguém quer ser presidente do Brasil, mas parece que tem um monte de gente querendo. Quer dizer, alguns já viram o tamanho do problema e desistiram", ironiza. "O Brasil tem uma receita pública muito alta para um país emergente, tem um gasto público muito alto e um endividamento alto. E, na verdade, a gente não consegue fazer o Congresso cortar gastos."

Entraves do corporativismo

Os três economistas ouvidos pela DW Brasil enxergam na política os entraves para o debate econômico. Segundo eles, os fortes interesses corporativos impedem discussões centrais como a reforma da previdência e a reforma tributária, medidas necessárias para desarmar a bomba fiscal.

"As corporações estão se apropriando do Estado e ninguém discute a contrapartida disso. Estamos vendo isso no Judiciário, na Receita, nos três poderes", afirma Pires

O economista não acredita num debate desse nível durante a eleição, pois discussões deste tipo podem custar votos, mas espera que os candidatos não fechem as portas para assuntos espinhosos.

"Precisa fazer reforma da previdência? Precisa. Não é só pela questão demográfica, mas pelo avanço tecnológico que está se desenhando aí, os mercados de trabalho vão ser outros", aponta Belluzzo.

Leia também: Reforma da Previdência fica para outra vez

"Aí fazem uma reforma trabalhista. Vai provocar a erosão dos vínculos salariais e empregatícios que prevaleciam e garantiam certa receita para a previdência. Com a mudança nas relações, sobretudo com a precarização inexorável do mercado de trabalho, que ocorre em todo o mundo, você vai perder receita da previdência. Temos que fazer uma revisão. Tem que olhar para a frente, mas aqui no Brasil o pessoal só olha para trás", lamenta Belluzzo.

Bastante pessimista com o cenário político, o economista pontua que é preciso refletir sobre a relações de poder para entender a economia. "Não se vê hoje no Brasil condições de construções de convergência e consensos sobre como se encaminha a questão do desenvolvimento, do crescimento".

É no debate do Orçamento da União que os conflitos distributivos sobre impostos e prioridades devem ocorrer, e o ideal é que os políticos "possam fazer essas mediações", algo inimaginável no Brasil de hoje, diz.

"A única forma de compor isso é através dos mecanismos de formação do consenso democrático, e ele nunca se forma inteiramente. O [Donald] Trump é expressão disso. Como pode haver um presidente tão tosco, falando coisas tão absurdas? E aí você contrapõe com a [Angela] Merkel, que fez um acordo com a social-democracia. A própria coalizão é sintoma de que você não pode impor um ponto de vista."

Campanha eleitoral

Na visão de Pessoa, foi a partir de 2009, no segundo mandato de Lula, que a situação fiscal começou a se agravar. "Em 1992, o gasto primário da União era 11% do PIB, hoje é 20%." E a campanha eleitoral de 2014, na opinião do economista, foi o mais importante capítulo deste desajuste.

"Foi a pior campanha dos últimos anos. Todos os candidatos esconderam da sociedade os problemas, sem exceção", aponta. "Naquela oportunidade eu estava próximo ao candidato Aécio Neves, foi uma experiência difícil pra mim, porque a gente não podia falar tudo o que achava. Eu até falei: vai ter que subir imposto, vai ter que fazer reforma da previdência. Foi sufocante. A gente sabia que tinha um problema fiscal grave, dramático, e o lado de lá também sabia, e mentiu mais ainda."

Temas espinhosos do endividamento não poderão ser escondidos neste ano, ressalta Pessoa, e, segundo ele, não há espaço para "estelionatos eleitorais" como o cometido por Dilma Rousseff. "Não se pode mais fazer esse jogo de enganar as pessoas. Temos uma situação dramática."

Devido à fragilidade política atual do governo Temer, o envolvimento do Congresso nas eleições e a evidente polarização política da sociedade, Pessoa considera que o melhor é não discutir mudanças na Constituição neste momento. Mas é inevitável que o próximo presidente tenha que encarar esse debate, diz.

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