A cidade alemã que vereadores querem manter isolada
24 de fevereiro de 2020Há quase três semanas, a eleição indireta de um governador liberal com votos dos populistas de direita da Alternativa para a Alemanha (AfD) ao lado da União Democrata Cristã (CDU) causou um terremoto político no país. Essa aproximação de siglas democráticas com uma legenda xenófoba e muitas vezes antissemita foi uma quebra de tabu e gerou preocupação, devido principalmente ao passado alemão, quando a tolerância a um grupo político de extrema direita terminou num dos episódios mais sombrios da história.
O caso da Turíngia trouxe à tona uma aproximação que aparentemente já vem ocorrendo nos patamares mais baixos da política alemã, como mostra um recente exemplo em Velten, um pequeno município de 11 mil habitantes, localizado 24 quilômetros a noroeste de Berlim. O episódio, que ocorreu dias depois desse escândalo, é bem mais grotesco.
Qualquer governo ou legislador em sã consciência ficaria feliz em ampliar ou melhorar o acesso ao transporte público para os cidadãos de sua cidade, mas não foi o que aconteceu em Velten. Se pudessem, os políticos locais provavelmente isolariam a cidade para evitar o que chamaram de "aumento da alienação".
Antes de continuar, vou fazer um parêntese com um pequeno contexto sobre as transformações demográficas que ocorrem ao redor da capital alemã. Nos últimos anos, as regiões metropolitanas de Berlim têm recebido cada vez mais famílias que resolveram deixar a cidade grande para morar mais próximo à natureza ou simplesmente em locais com aluguéis e preços de imóveis mais acessíveis. A acessibilidade do transporte público tem um peso importante nessa escolha, pois a grande maioria continua trabalhando diariamente em Berlim.
Neste contexto, a expansão das linhas de trens metropolitanos que ligam Berlim aos seus arredores ganhou mais peso no debate político. Um plano incluía uma estação em Velten, mas os vereadores da cidade aprovaram uma resolução para bloquear essa expansão.
A proposta foi apresentada pela iniciativa Pro Velten, que possui a maior bancada na Câmara Municipal, com sete vereadores. Além de barrar a ampliação do S-Bahn, a resolução proibia também a construção de grandes prédios ou projetos habitacionais na cidade, sob a alegação de suposta falta de infraestrutura para receber novos moradores. Segundo o grupo, as medidas são necessárias para impedir "a alienação crescente" e conservar o caráter da cidade.
Durante o debate sobre a proposta, um vereador da AfD chegou a defender a medida afirmando que "40% dos novos moradores da cidade teriam raízes migratórias".
As justificativas, que têm um certo teor xenófobo, não assustaram dois vereadores conservadores do partido de Angela Merkel, que foram fundamentais na aprovação da medida apoiada pela AfD e, pior ainda, pelo neonazista Partido Nacional Democrático (NPD). Sem os votos da CDU, a proposta não alcançaria a maioria necessária.
A aprovação da resolução gerou críticas. O vice-prefeito de Velten teme que a cidade perca recursos e investimentos com esse desejo de isolamento. Alguns deputados da CDU em Berlim disseram estar chocados com o fato de correligionários estarem votando ao lado da AfD e NPD, e defenderam a abstenção nesse tipo de situação.
Em resposta, o presidente da Câmara Municipal de Velten, do Pro Velten, disse que os críticos mostram que "não têm conhecimento da democracia". Já o secretário-geral da CDU de Brandemburgo, Gordon Hoffmann, defendeu a ação dos vereadores de seu partido, mas disse que, independente da votação, o partido rejeita um apoio à AfD.
Hoffmann alegou ainda que os conservadores não podem se abster em "projetos propostos por partidos democráticos" só porque a proposta recebe o apoio dos populistas de direita.
O episódio em Velten não chamou tanta atenção na Alemanha quanto o da Turíngia, mas mostra que, em níveis locais, a aproximação de conservadores com populistas de direita e até mesmo neonazistas já é uma triste realidade em algumas regiões. Revela ainda a xenofobia gritante em alguns pequenos municípios, geralmente onde há poucos ou quase nenhum estrangeiro.
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Clarissa Neher é jornalista da DW Brasil e mora desde 2008 na capital alemã. Na coluna Checkpoint Berlim, escreve sobre a cidade que já não é mais tão pobre, mas continua sexy. Siga-a no Twitter @clarissaneher
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