A dupla moral da política de imigração na Hungria
30 de setembro de 2016Corridas de táxi do aeroporto até o centro de Budapeste raramente são trajetos agradáveis. Esta semana, no entanto, o caminho entre o Liszt Ferenc e a capital húngara está particularmente inóspito. Devido ao referendo de domingo (02/10) sobre as quotas de refugiados impostas pela União Europeia, dezenas de cartazes antimigrantes decoram as ruas, alertando para o perigo que vem de fora.
Mas os estrangeiros que chegam para comprar títulos de residência permanente na Hungria podem ser perdoados por ignorarem a virulenta campanha do primeiro-ministro Viktor Orbán contra os refugiados, tanto devido à opacidade da língua húngara como à generosidade dos negócios oferecidos.
O Programa de Títulos de Residência na Europa é um esquema apoiado pelo governo húngaro, para encaminhar os potenciais candidatos às empresas intermediadoras das vendas. Seu site promete "visto de residência húngara para toda a família em dois meses", sublinhando que "o visto de residência permanente é, na verdade, um visto vitalício para o Espaço de Schengen, permitindo viajar livremente pela Europa".
Título de residência em promoção
Chegando a Budapeste, os candidatos são recebidos em um dos seis escritórios indicados pelo governo para atuar como intermediários das empresas emissoras de títulos, a maioria localizada offshore.
Os clientes pagam 360 mil euros por um título de cinco anos, e após esse período recebem de volta 300 mil euros, o que torna o negócio um dos mais baratos na UE. Até agora, o programa obteve residência permanente para famílias de países como Egito, Argélia, Irã, Jordânia e Turquia.
"Esses 360 mil euros incluem quatro membros da família, e pedimos 2 mil euros para cada familiar adicional", revela um agente, acrescentando que "no caso dos pais, você tem que provar que eles são financeiramente dependentes de você". "Não se encontra nada mais barato no mercado europeu", arremata.
Os títulos estão ficando cada vez mais populares. O ministro do Interior da Hungria, Sándor Pintér, responsável pela construção e manutenção das cercas de fronteira do país com a Sérvia e Eslovênia, declarou recentemente que, desde que o regime de títulos foi lançado, em 2013, mais de 18 mil receberam o status de residência na Hungria, levantando 1,1 bilhão de euros. Agora, os negócios estão aumentando: 798 títulos foram emitidos só em agosto. A maioria dos compradores é chinesa.
A filha mais velha do premiê Orbán, Rahel, também foi mencionada em conexão com o programa de residência por títulos, junto com o homem que registrou o nome de domínio do site do programa, o cônsul honorário da Hungria para o Bahrein, Balázs Garamvölgyi.
Um comunicado de imprensa descoberto pelo portal de notícias liberal 444.hu no site de um ministério de Bahrain revelou que Rahel Orbán, o marido e Garamvölgyi se encontraram com um ministro daquele país árabe para discutir questões de "benefício para a economia nacional de ambos os países amigos, decorrente de uma melhor cooperação". Quando a reunião foi revelada, Rahel disse que ela e seu marido haviam visitado o Bahrain de férias, e que quaisquer outras acusações eram "tudo mentira".
Dupla moral
"Rico é bom e pobre é ruim", lamenta Márta Pardavi, da organização de direitos humanos Magyar Helsinki Bizottság (Comitê de Helsinque Húngaro). "E não é só isso: os pobres devem continuar sofrendo. Essa é uma dupla moral extrema, especialmente durante esta campanha do referendo, que retrata os muçulmanos como potenciais terroristas e incapazes de integração", comentou à DW.
Orbán mostrou uma dubiedade semelhante em relação ao islã durante a crise de refugiados do ano passado. Após ter declarado, no fim de abril, "temos o direito de escolher com quem queremos e não queremos viver" – lembrando que a Constituição da Hungria, que o seu partido redigiu, proíbe a "islamização" –, no início de junho ele fez uma homenagem à cultura islâmica – e até mesmo à lei da sharia – diante de uma delegação de banqueiros árabes.
Num discurso no Budapest Hilton Hotel, Orbán frisou que o islã tem "grandes estruturas espirituais e intelectuais" e que, portanto, "aqueles que chegam do mundo islâmico não representam uma ameaça, mas são representantes de uma civilização sofisticada".
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Máfia do passaporte
A Hungria também tem relaxado na emissão de passaportes para cidadãos dos países vizinhos. Uma investigação feita pelo Index, um dos principais portais de notícias da Hungria, revelou uma "máfia do passaporte", em que funcionários corruptos e advogados vendiam passaportes húngaros a cidadãos russos e ucranianos por 10 mil euros. Um funcionário público também confessou ter assinado passaportes sem a realização dos obrigatórios testes do idioma húngara, aceitando um suborno de mil euros por cada um.
O resultado dessa proliferação é que os húngaros com passaportes mais recentes estão sendo submetidos a controles de passaporte adicionais quando viajam para a Ucrânia. O advogado Balázs Tóth, de 37 anos, contou à DW que ele e outros dois húngaros foram retirados de uma fila de aeroporto em Kiev e levados a uma sala para teste de conhecimento do húngara.
"Um funcionário veio e explicou que muitos ucranianos obtiveram ilegalmente a nacionalidade húngara. Então percebemos que todos tínhamos esse novo tipo de passaporte, com chip, o que prova que os portadores de passaportes antigos não foram selecionados", contou Tóth. "Isso não tem apenas a ver com o passaporte húngaro, mas também com a integridade da UE."
"Esse é um enorme esquema para fazer dinheiro para o círculo interno. Enquanto isso, estamos invalidando o nosso passaporte, ao vendê-lo a qualquer um que esteja disposto a pagar", acusa Tamás Bodoky, do portal investigativo Átlátszó. É como disse o agente de venda de títulos a um cliente em potencial: "Se você tem dinheiro suficiente para pagar, então é uma pessoa importante."