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A educação sexual como chave contra gravidez na adolescência

10 de janeiro de 2020

Enquanto ministério cogita política de estímulo à abstinência sexual, especialistas consideram essencial informar jovens e pais sobre riscos de uma gestação precoce, cuja incidência no Brasil está acima da média mundial.

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Mulher grávida com mão sobre a barriga
Segundo o IBGE, apenas 30% das jovens entre 15 e 17 anos que têm ao menos um filho continuam estudandoFoto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana

O Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos manifestou, no início de janeiro, a intenção de criar um programa que estimule jovens a não fazer sexo ou adiar o início da vida sexual. A finalidade da iniciativa seria prevenir a gravidez na adolescência, segundo a pasta, comandada pela ministra Damares Alves.

A estratégia representa um caminho alternativo à tentativa de tornar acessíveis aos adolescentes métodos contraceptivos gratuitos e à conscientização sobre a importância de seu uso, a fim de evitar a gravidez precoce e a transmissão de doenças.

Em relatório sobre direitos relativos à saúde sexual e reprodutiva das populações divulgado no ano passado, as Nações Unidas manifestaram preocupação com o quadro de elevada incidência de gravidez na adolescência no Brasil. O país apresenta uma taxa de 62 adolescentes grávidas a cada mil jovens do sexo feminino entre 15 e 19 anos, acima da média mundial de 44 por mil.

Dados demográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam uma forte correlação entre indicadores socioeconômicos e a ocorrência de gravidez precoce. A cada dez jovens de 15 a 19 anos grávidas, sete são negras e seis não estudam nem trabalham.

Nesse sentido, a gravidez nessa etapa da vida reforça o círculo vicioso de pobreza, uma vez que diminui as chances de conclusão dos estudos e, consequentemente, resulta em menor qualificação profissional. Ainda de acordo com o IBGE, apenas 30% das jovens entre 15 e 17 anos que têm ao menos um filho continuam estudando. Por sua vez, o ingresso no mercado de trabalho é prejudicado e, quando acontece, se dá tardiamente e em condições precárias.

Além de afetar individualmente as perspectivas dessas adolescentes, o fenômeno também gera impactos econômicos. Um estudo do Banco Mundial mostra que o Brasil poderia aumentar sua produtividade em 3,5 bilhões de dólares por ano se as adolescentes adiassem a gravidez para depois dos 20 anos.

Avanços nas últimas décadas

O cenário negativo não impediu que o Brasil apresentasse avanços nesse campo nas últimas duas décadas. Entre 2000 e 2017, houve uma redução de 36% na gravidez entre adolescentes.

Astrid Bant, representante do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) no Brasil, explica que a redução nos índices de gravidez na adolescência costuma refletir melhora no acesso a informações, insumos e serviços em saúde.

"No caso do Brasil, destaco o papel do Sistema Único de Saúde (SUS), que tem como princípios a universalidade, a integralidade e a equidade. É uma política pública importante porque ampliou a cobertura em serviços de saúde sexual e reprodutiva nos últimos 50 anos, a partir de programas específicos de saúde da mulher, da gestante, dos e das adolescentes e também disponibilizando métodos contraceptivos gratuitamente", analisa.

Sem comentar a estratégia defendida pelo Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, a representante do UNFPA no Brasil defende um papel ativo do Estado na educação sexual, adequado às diferentes faixas de idade. Bant defende que o diálogo aconteça nos lares, escolas e unidades de saúde.

"A educação sobre sexualidade ajuda as pessoas jovens a identificar o assédio desde cedo, por exemplo, e também auxilia no processo de decisão. Hoje, a maior parte das informações sobre o assunto obtidas pela juventude são pela internet. São informações sem filtro, muitas vezes errôneas. Destaco que, quando falamos em educação sobre sexualidade, não se trata de estimular a atividade sexual entre jovens, mas informá-los, para que eles façam boas escolhas", argumenta.

Influência religiosa e falta de opções

Em meio a questionamentos sobre o papel dos contraceptivos na tentativa de prevenir a gravidez precoce, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos afirmou que essa política está a cargo da pasta da Saúde e que o modelo será complementar. Porém, alegou que os métodos não apresentam 100% de eficácia, embora os mais conhecidos cheguem a 99%.

O programa em formatação está alinhado com as reivindicações de movimentos de cunho religioso, destacando-se o "Eu Escolhi Esperar", de cunho evangélico. Fundador do grupo, o pastor Nelson Neto Jr. foi um dos convidados de um seminário promovido pela pasta da Mulher, Família e Direitos Humanos em dezembro, na Câmara dos Deputados, com foco na prevenção à vida sexual precoce e à gravidez na adolescência.

A obstetra Marilza Rudge, professora emérita da Faculdade de Medicina de Botucatu, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), reconhece a validade da busca por adiar o início da vida sexual das adolescentes. Entretanto, questiona a real eficácia da iniciativa do governo, em um contexto de estímulo à iniciação sexual precoce nas diversas plataformas de comunicação.

"O sexo na adolescência acaba sendo eventual, não é tão diário. A menina não conhece o seu próprio ciclo menstrual ainda. Se ela souber qual é seu período fértil, tem o direito de decidir quando quer. São orientações pequenas, que podem ter impacto", opina.

Rudge sugere o envolvimento de pais e mães dos adolescentes na discussão, incluindo dos meninos, no sentido de compartilhar responsabilidades. A médica identifica uma dificuldade persistente das famílias em aceitar que a filha mulher inicie a atividade sexual.

"Seria muito bem-vinda uma orientação da mãe ou de um ginecologista no sentido de explicar, desde a primeira menstruação, os riscos de uma gravidez indesejada. Uma formação para as mães seria muito importante. É claro que isso precisaria ser muito bem elaborado, porque passa por conceitos religiosos", reconhece.

Bant, do UNFPA, lembra que outro eixo de atuação importante é a garantia, pelo Estado, de que as jovens mulheres tenham outras opções na vida que as levem a adiar a maternidade. Ou seja, acesso à educação, qualificação profissional e perspectivas de emprego.

"Para muitas jovens, ter um relacionamento amoroso e ser mãe parece ser a única opção. Esse cenário precisa mudar. As jovens precisam ter outras oportunidades na vida, como a possibilidade de ter uma carreira", diz.

"Também é importante ressaltar que há outras variáveis envolvidas no fenômeno da gravidez na adolescência, como o casamento infantil, a violência e a exploração sexual, que são crimes", pontua.

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