"A floresta de Jonathas": cinema vindo do Amazonas
6 de março de 2014Grandes cineastas brasileiros e estrangeiros já apontaram suas câmeras para uma das nossas maiores riquezas. Anaconda, com Jennifer Lopez, Bye bye Brasil, de Cacá Diegues, e Fitzcarraldo, do alemão Werner Herzog, usaram a Floresta Amazônica como cenário.
"Eu sinto que é preciso pensar a Amazônia de outra forma. Há muito tempo a gente sofre uma romantização, uma ditadura do exótico", disse o cineasta manauense Sergio Andrade à DW Brasil. Seu filme de estreia, A floresta de Jonathas, chega aos cinemas alemães nesta quinta-feira (06/03).
Logo na primeira cena do filme, percebe-se que não será uma jornada pela Amazônia como se está acostumado a ver nas telas do cinema. O longa começa com um homem local encarando o público por alguns minutos. Sua atitude não é cordial, mas forte, uma metáfora para mostrar que o olhar aqui vem de quem vive na região: "Nós que vamos olhar para vocês, e então vocês vão ver tudo."
O filme foi inspirado na história real de um jovem que se perdeu na floresta. "É uma licença criativa sobre essa história de um jovem que desaparece e é procurado pelo pai. O que me atraiu foi a estranheza de se perder em uma floresta que fica ao lado de sua casa. Isso acontece frequentemente. O filme fala de uma Amazônia que deixa de ser um território e passa a ser uma entidade", afirmou Andrade.
O cineasta começou a desenvolver o roteiro em 2010 e escreveu o filme no edital de baixo orçamento do Ministério da Cultura. "Foi a primeira vez na história do Brasil que um filme da região norte teve um projeto inscrito e selecionado", contou o diretor.
Entre a cidade e a floresta
Jonathas (Begê Muniz) é um introspectivo jovem que vive em um sítio na área rural do Amazonas com seus pais e seu irmão Juliano (Ítalo Castro). A família tem uma relação muito próxima com a floresta, mas também com a cidade, já que se sustenta com a colheita de frutas típicas da região e a venda dessas frutas em uma barraca na beira da estrada.
"O urbano está em algum lugar que não aparece, mas você sabe que ele está perto. Isso cria um contraponto muito interessante porque aquele lugar se torna uma zona intermediária. Você tem a impressão que aquelas pessoas estão sempre entre a floresta e a cidade", explicou.
Um dos grandes triunfos do filme é mostrar essa relação cotidiana dos amazonenses com a floresta, que dá, mas também toma. Segundo o cineasta, ela é generosa, mas também vingativa. A rota de passagem é o contato com o mundo exterior. O contraponto de Jonathas é seu irmão. Juliano é extrovertido e não perde a oportunidade de se divertir.
O encontro dos irmãos com a ucraniana Milly (Viktoria Vinyarska) e com o indígena Kedassere (Alex Lima) desperta algo novo em Jonathas. O grupo decide acampar no fim de semana, mesmo contra a vontade dos pais dos amazonenses. Seduzido por Milly e pela floresta, ele empreenderá a mais transformadora de suas jornadas.
"A história do filme é bem diferente da história real. Achava interessante esse jovem de 19 anos que mal tinha deixado de ser um adolescente e já se via perdido na floresta. As pessoas me questionam como um menino que cresceu ao lado da floresta não sabe lidar com ela. Ninguém sabe lidar com a floresta na verdade. O Jonathas tinha uma inocência que foi desafiada pela selva. A meu ver, ele não se perde na floresta, ele se deslumbra com ela", completou o cineasta.
A floresta, com sua beleza e fascínio, também é um lugar cheio de perigos e mistérios e, ao lado de Jonathas, é a principal personagem do filme. Eles travam um duelo – que parte do fascínio do jovem transformado pelo desconhecido e pela floresta. De certa maneira, ela não aceita ser julgada por sua beleza: ela impõe seu poder.
Homem do norte
Andrade queria não apenas trazer um novo olhar para a Floresta Amazônica, mas também mostrar uma cinematografia do homem do norte, algo inédito no cinema brasileiro. "Eu sou daqui, conheço a linguagem, as características e a maneira de falar e de viver do amazonense e do manauense. Aqui é uma região muito rica e que tem muito a dizer não só sobre a selva ou o índio que está dentro dela e por toda a região", explicou.
Para o cineasta, essa escolha gerou algumas reações negativas em relação ao filme no Brasil. Algo que ele considera um bairrismo vindo de outras regiões do país. Ele trabalhou com um elenco local, tentando manter os trejeitos e a maneira de falar mais próximos da realidade.
"O espectador no Brasil tem um mau costume, ou hábito, de querer ouvir um sotaque que é fácil de entender, acho que isso vem de uma hegemonia global. Quando os atores falam de uma maneira diferente há certa má vontade. Minha decisão de trabalhar com locais veio em cima disso. Corri um risco e valeu a pena", completou.
Os atores do filme são veteranos do teatro da região. O filme também conta com a participação de um elenco indígena. "No meu próximo projeto, quero explorar atores brancos de outras regiões, mas meu personagem principal será um indígena", revelou o cineasta.
Antes o tempo não acabava deve ser rodado no final de 2014 e conta a história do jovem Anderson, que vive em uma comunidade indígena na periferia de Manaus. "Esse rapaz não aceita alguns dos costumes da comunidade, ele quebra tradições e acaba indo morar no centro da cidade. O filme fala da transição de um índio indo viver no mundo urbano. Talvez seja o contrário de Jonathas. A cidade leva o Anderson, assim como a floresta levou o Jonathas", afirmou.
A floresta de Jonathas chega neste fim de semana a nove cidades alemãs, em um total de 12 salas. "Estou muito feliz. Foram mais salas do que quando o filme estreou no Brasil em novembro", comemorou o diretor.