A fusão nuclear pode ajudar a combater o aquecimento global?
14 de dezembro de 2022O Departamento de Energia dos Estados Unidos anunciou na terça-feira (13/12) um grande avanço na tecnologia da fusão nuclear. Pela primeira vez, cientistas conseguiram produzir um ganho líquido de energia nesse processo.
Durante décadas, cientistas tinham que injetar mais energia em reatores experimentais de fusão nuclear do que o total de nova energia criada pelo processo. Esse problema fez a tecnologia de fissão nuclear ser a preferência na busca por energia ilimitada, sem geração de carbono, apesar de seus riscos de segurança e para a saúde.
Agora, o sucesso do experimento do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, na Califórnia, pode contribuir para mudar esse padrão no futuro, e é um marco para a geração de energia limpa. Apesar de toda a complexidade desse processo, pesquisadores afirmam que a tecnologia vale a pena.
A fusão nuclear tem um potencial energético muito maior do que todos as atuais fontes de energia conhecidas. Pode liberar quase 4 milhões de vezes mais energia que reações químicas, como a queima de carvão, gás ou petróleo, e quatro vezes mais do que a fissão nuclear – o processo atualmente usado nas usinas nucleares.
Descoberta no início do século 20, a fusão é vista como o futuro da geração de energia por muitos formuladores de políticas, especialmente na Europa. Mas será que esse processo é realmente uma alternativa "mais verde" para os atuais métodos? Para responder a essa questão, a DW visitou o Reator Termonuclear Experimental Internacional (ITER), um projeto colaborativo que reúne especialistas de 35 países.
Localizado a algumas horas da costa do sul da França, o ITER se destaca na paisagem idílica que o rodeia. O complexo está repleto de galpões, oficinas e equipamentos. Cientistas e técnicos ocupados percorrem o campus do reator com capacetes, galochas e coletes neon.
A partir dessa paisagem industrial, Pietro Barabaschi, diretor-geral do ITER, garante que o futuro da energia de fusão será brilhante. Segundo ele, o processo é como acender uma fogueira. "Primeiro, você acende uma chama, que aquece a madeira, e em algum momento começa uma reação química que é suficiente para queimar o resto da madeira", diz.
Como funciona
Os átomos são compostos de elétrons e um núcleo, que possui prótons e nêutrons. Na fusão, dois átomos são fundidos em um só, juntando seus núcleos. Numa tentativa de estabilizar o núcleo, o átomo recém formado expulsa às vezes um nêutron de alta energia que era usado anteriormente para ligar o nêutron ao núcleo.
Cientistas que pesquisam a fusão nuclear querem converter esse excesso de energia em eletricidade. Tecnicamente, a energia de nêutrons lançados rapidamente já é aproveitada comercialmente nas usinas nucleares, que trabalham com a fissão nuclear.
Na fissão, em vez de fundir dois átomos, um átomo pesado é divido em dois ou mais. Todas as usinas nucleares do mundo operam com reatores de fissão para gerar energia elétrica. A França, sede do ITER, gera 70% de sua energia em usinas nucleares.
Essa fonte de energia, porém, não é popular na maioria dos países devido aos temores de vazamento de radiação, alimentados por acidentes como o desastre de Tchernobyl e o de Fukushima.
De acordo com o cientista do ITER Akko Maas, a principal diferença entre fissão nuclear e fusão é a radioatividade do combustível que cada método cria. "Na fissão, o urânio usado e o plutônio criado são radioativos. Depois da extração de energia deles, ainda sobra material radioativo", diz o especialista, que acompanha o projeto desde o seu início.
Dos dois elementos considerados mais eficientes para a energia de fusão, o deutério não é radioativo. Já o trítio é, mas sua radiação é comparativamente fraca e de curta duração. "Se os materiais forem escolhidos corretamente, mesmo em escala industrial, é possível limitar a radioatividade da fusão para entre 100 e 200 anos, o que é muito mais gerenciável do que 40 mil anos, como ocorre na fissão", acrescenta Maas.
Além de ser altamente eficiente, os defensores argumentam que a energia nuclear poderia reduzir drasticamente a dependência de combustíveis fósseis. Por não emitir gases do efeito estufa, a energia nuclear é considerada uma alternativa livre de carbono – seu principal subproduto é o hélio, um gás inerte e não tóxico.
Além disso, a água do mar possui deutério em abundância. Cientistas tentam agora produzir o trítio usado no processo usando lítio.
Alternativa verde
Fontes renováveis, como a solar e a eólica, não conseguem suprir sozinhas a demanda básica global de energia. Se bem sucedida, a fusão nuclear seria capaz de fornecer muito mais do que o necessário atualmente. Porém, essa alternativa ainda é um sonho distante.
Para a fusão se tornar realidade, é preciso um avanço tecnológico na física de plasma. "Tecnicamente, é difícil alcançar uma reação de fusão autossustentável e estável", afirma Barabaschi.
A luz do Sol e o calor sentido na Terra são resultado da fusão. Esse processo ocorre naturalmente no núcleo do Sol sob temperaturas e pressões extremas. O desafio é reproduzir o que ocorre lá sem a pressão decorrente da gravidade da massa pesada do Sol.
Para conseguir a fusão na Terra, os gases precisam ser aquecidos a temperaturas extremamente elevadas, superiores a 150 milhões de graus Celsius, o equivalente a cerca de dez vezes a temperatura do núcleo solar. Nesse ponto, os gases se transformam em plasma, que é quase 1 milhão de vezes mais leve do que o ar que respiramos. Todos os prótons, nêutrons e elétrons que o compõem se separam.
Criando o plasma
Para os pesquisadores de fusão, criar um plasma aquecendo uma mistura de deutério e trítio é o caminho mais fácil para se chegar a um ambiente para fundir e produzir energia. No ITER, um dispositivo chamado tokamak usa um forte campo magnético para confinar o plasma usado nos experimentos de fusão.
Nessas condições extremas, as partículas desse plasma colidem rapidamente, criando calor. Mas, paradoxalmente, à medida que a temperatura aumenta ainda mais, a taxa de colisão, e o calor que ela gera, diminui. "É como se o plasma fosse desligado depois de um certo ponto", afirmou Barabaschi.
Voltando à analogia da fogueira, é como não saber como acender o fogo que manterá o "plasma queimando". Esse é o maior desafio enfrentado pelos cientistas que fazem experimentos de fusão em todo o mundo.
Esse desligamento do plasma em condições desfavoráveis, porém, significa que a reação é interrompida se houver alguma instabilidade. Segundo especialistas, isso torna a fusão mais segura do que a fissão.
Processo mais seguro
É improvável que um derretimento como o de Fukushima ocorra num reator de fusão, afirmou o diretor de segurança e qualidade do ITER, Gilles Perrier. Já num reator de fissão, há um núcleo radioativo que precisa ser esfriado se o reator for desligado.
"Na fissão, o risco de um acidente é muito maior. Na fusão, é muito mais baixo", acrescentou Perrier.
De acordo com o especialista, a segurança em uma usina de fusão consiste em três elementos: confinamento do plasma, redução da exposição à radiação, e prevenção da contaminação por trítio. O plasma fica confinado em um recipiente a vácuo. "Mesmo no pior cenário de um vazamento de plasma, o impacto ficará restrito ao local", destacou Perrier.
Do experimento à eletricidade
Até agora, em experimentos de fusão, os cientistas conseguiram gerar apenas 59 megajoules de energia em cinco segundos. Essa quantidade de eletricidade é suficiente para manter uma lâmpada pequena acessa por dois meses.
O desafio dos pesquisadores agora é descobrir como produzir essa energia em uma escala maior. Segundo Barabaschi, passar de um experimento de fusão para um reator de geração de eletricidade é como ir da fogueira a uma usina de carvão.
Embora seja um grande desafio, ele está otimista que o reator experimental do ITER estará funcionado até o fim desta década, e que possa se tornar uma usina de geração de energia modelo nos próximos 30 anos. Ainda levará algum tempo até que essa tecnologia esteja pronta para o uso em larga escala.
Apesar de ser uma esperança, a energia de fusão não resolverá a atual crise energética na Europa e não ajudará a cortar emissões nos próximos anos. No livro The Fairy Tale of Nuclear Fusion (O conto de fadas da fusão nuclear, em tradução livre), o cientista nuclear LJ Reinders argumenta que esse método chegará muito tarde para ajudar a atenuar os problemas climáticos urgentes.
Barabaschi, no entanto, acredita que investir em fusão nuclear não é sobre atender as necessidades energéticas atuais, mas as da segunda metade do século.