A greve dos caminhoneiros que parou o Brasil
24 de maio de 2018Pelo quarto dia seguido, caminhoneiros amanheceram nesta quinta-feira (24/05), às margens da principal rodovia do Brasil, a Dutra, sem dar sinais de que voltarão a circular em breve. De São Paulo ao Rio de Janeiro, caminhões carregados ocupam gramados e postos de combustível desde a noite do último domingo em protesto aos sucessivos reajustes no preço do diesel.
"Em 20 dias, o valor foi de R$ 3,19 a R$ 3,70", diz o caminhoneiro Juarez sobre a variação média no estado de São Paulo. "A gente só sai daqui quando o preço cair. E tem que ser em definitivo, não só por alguns dias", argumenta o motorista, que estacionou seu veículo na altura de Jacareí, interior de São Paulo.
Entre o grupo, a redução de 10% o valor do diesel nas refinarias por 15 dias, anunciada pela Petrobras nesta quarta-feira, não foi bem aceita. "Nós queremos uma mudança na política de preços publicada no Diário Oficial", rebate um motorista que não quer se identificar, dono de três caminhões.
No Brasil, milhões de caminhoneiros são responsáveis por quase a totalidade do transporte de cargas que abastecem os brasileiros, principalmente produtos perecíveis. Veículos, grãos, mantimentos, bebidas e combustíveis viajam longas distâncias nas rodovias para chegar aos consumidores.
É difícil estimar quantos caminhoneiros deixaram de trabalhar desde o inicio da paralisação. Mas os reflexos são críticos e estão por toda parte: grandes cidades anunciaram a redução da frota de ônibus no transporte coletivo por falta de combustível; aeroportos alertam que não há estoque suficiente para aviões encherem os tanques nos próximos dias, e vários voos foram cancelados; e o desabastecimento de produtos básicos preocupa supermercados e feiras livres.
No estado de São Paulo, por exemplo, os postos de gasolina têm estoque suficiente para operar por até três dias por não receberem combustível, segundo o Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo. Em Brasília, muitos postos foram obrigados a se manter fechados nesta quinta. No Rio de Janeiro, cerca de 80% a 90% dos postos estão sem combustíveis.
A Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae) alertou que a greve dos caminhoneiros pode prejudicar o fornecimento de água no Rio, pois a entrega de produtos químicos utilizados para tratar a água pode ser afetada.
No setor de alimentos, o Ceasa do Rio já registrou alta de preços, e em São Paulo, a greve afetou supermercados, principalmente quanto à disponibilidade de frutas, legumes e verduras, que são de abastecimento diário.
Com uma carga de feijão, o caminhoneiro Marcos diz esperar mais respeito pelo trabalho que faz. "Quem carrega o Brasil são os caminhoneiros. Sem a gente, não tem comida, combustível e não tem nem educação", diz.
Pressão e apoio
Em Brasília, o presidente Michel Temer pediu "trégua”. A rodada de reuniões entre dez entidades, incluindo a Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA), marcada para a tarde desta quinta-feira, terminou sem um acordo com o governo, que pediu a suspensão da paralisação por um período entre 15 dias e um mês enquanto estuda propostas para reduzir o preço do diesel.
A Associação Brasileira dos Caminhoneiros (Abcam), que representa 700 mil caminhoneiros, recusou a proposta e defendeu o fim paralisação somente após a queda no preço do combustível com a redução de impostos.
A pressão para que um acordo saia em breve vem de setores importantes da economia. Em algumas montadoras, por exemplo, as atividades estão suspensas momentaneamente por falta de peças. Grandes redes de fast food também reclamam que itens como carnes e pães não chegaram na data esperada.
Por outro lado, os caminhoneiros dizem sentir apoio da população. Na Dutra, carros de passeio buzinam em apoio ao movimento, moradores das cidades próximas levam cobertores, mantimentos e água até o local onde os caminhões estão estacionados.
Fogueiras e mesas improvisadas acompanham os grupos durante os dias de paralisação nas estradas – em alguns pontos, a temperatura caiu para 8˚C durante a noite.
"Estamos recebendo muito apoio de muita gente. Alguns empresários trouxeram banheiro químico pra gente, outros levam a gente pra tomar banho. Acho que ninguém aguenta mais esse aumento geral no custo de vida", diz um dos caminhoneiros, que entregou uma carga de celulares em São José dos Campos e não tem data para voltar para Salvador, na Bahia, onde mora sua família.
Das redes sociais para as estradas
A organização da greve começou nas redes sociais. Na semana passada, grupos fechados de conversa num aplicativo propuseram a paralisação a partir de domingo e a adesão foi espontânea.
"Não veio de nenhum sindicato, de nenhuma empresa", explica Juarez. Ele diz que, há mais de um ano, representantes da categoria tentam negociar uma nova política de preços de combustíveis em Brasília.
Ademar, filho e neto de caminhoneiros, diz que o custo com diesel consome 70% do que ganham com frete. "Não está sobrando nada pra gente. Além do combustível, tem o gasto com pneu, com manutenção, com pedágio. Sem falar a falta de segurança nas estradas", afirma.
"Certamente, o mais prejudicado é o transportador autônomo individual. Ele recebe pouco pelo frente e paga muito pelo combustível. E as empresas transportadores estão repassando para ele o custo com o pedágio", avalia o pesquisador Orlando Fonte Lima Junior
Coordenador do Laboratório de Aprendizagem em Logística e Transportes da Unicamp, Lima Junior critica a política de preços da Petrobras.
"Essa política que o governo assumiu de maximizar resultados econômicos de empresas e atividades em detrimento do equilíbrio da sociedade é equivocada", afirma. "O que adianta eu tirar a Petrobras do vermelho com ótimo desempenho com cenário de desabastecimento que nós temos agora?", questiona.
Juarez diz que a categoria não tem pressa para voltar a rodar. "Só voltaremos quando o resultado aparecer na bomba", adiciona um dos caminhoneiros, que transporta mantimentos entre São Paulo e Rio de Janeiro.
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