A importância da Crimeia para a Ucrânia e a Rússia
24 de junho de 2022A ponte de 18 quilômetros de extensão que liga a disputada península da Crimeia à Rússia é de extrema importância para o abastecimento russo. Após a anexação da península, em 2014, Moscou a planejou e a construiu em tempo bastante curto. A ponte abriga uma rodovia de quatro faixas e uma linha de trem. Sua construção teve prioridade sobre quase todos os outros grandes projetos de infraestrutura de transporte russos. Desde 2018, ela conecta a cidade de Kerch, no extremo leste da Crimeia, com a península russa de Taman.
A ponte é de grande importância estratégica para a Rússia, pois assegura o abastecimento das tropas russas na península e em todo o sul da Ucrânia. Esta é uma das razões pelas quais ela tem sido um espinho na carne do Exército ucraniano. Até agora, no entanto, a ponte tem estado fora de seu alcance. Mas isso pode mudar. Se a Ucrânia logo receber as armas necessárias, disse o general ucraniano Dmytro Marchenko, a destruição da ponte seria o "objetivo número 1".
Perigo de escalada
Moscou já ameaçou com severas represálias neste caso e até mesmo ameaçou com uma retomada dos ataques aéreos contra Kiev.
Para a Rússia, bombardear alvos na Crimeia teria um significado diferente do que a guerra no Donbass ou no resto da Ucrânia. Moscou considera a península, que foi anexada em 2014 em violação ao direito internacional, como seu próprio território e, após um referendo internacionalmente não reconhecido, como parte da Federação Russa. De acordo com a interpretação russa, a guerra seria assim estendida ao território russo − ameaçando uma nova escalada do conflito.
No entanto, a Ucrânia também continua considerando a Crimeia como parte de seu território. "Libertaremos todos os nossos territórios, realmente todos eles, incluindo a Crimeia", disse o ministro da Defesa ucraniano, Olexiy Resnikov, à emissora americana CNN, apesar de seu assessor Yuri Sak ter dito que "o mínimo realista" seja que as forças russas se retirem para as fronteiras válidas antes de 24 de fevereiro de 2022, quando começou a invasão da Ucrânia.
Disputa de longa data
A forte reação do Kremlin tem suas razões: para Moscou, a Crimeia tem um valor mais alto do que o resto da Ucrânia. Por mais de dois séculos, a Crimeia pertenceu à Rússia. Já nos séculos 18 e 19, os czares cada vez mais assentaram ali russos étnicos. Stalin continuou essa política. Como resultado, a maioria da população ainda hoje é pró-russa.
Somente em 1954 a Crimeia foi anexada à então República Socialista Soviética da Ucrânia, sob circunstâncias não completamente explicadas até hoje, por ordem do então secretário-geral soviético, Nikita Khrushchev.
A razão pode ter sido que o próprio Khrushchev era um ucraniano nativo. Após o colapso da União Soviética, a Crimeia permaneceu oficialmente território ucraniano, embora Kiev nunca tenha sido capaz de afirmar adequadamente a reivindicação ao poder sobre a Crimeia e a população tenha permanecido em grande parte pró-Rússia. Assim, Kiev concedeu à península o status de autônoma e concluiu arrendamentos com a Rússia, por exemplo, sobre o porto estrategicamente importante de Sebastopol.
Mesmo nos tempos soviéticos, a sede da Frota Russa do Mar Negro estava localizada ali, e Sebastopol é o único porto russo significativo que permanece livre de gelo durante todo o ano. Sob o ponto de vista militar, ele proporciona acesso ao Mar Negro, e sob o ponto de vista econômico, possibilita a entrada de bens importantes. Até 2014, esse acordo entre a Ucrânia e a Rússia não representava um grande problema.
Mas então veio a Euromaidan − a Primavera Ucraniana −, uma onda de manifestações e agitação civil na Ucrânia entre 2013 e 2014. O presidente pró-Rússia Viktor Yanukovytch foi derrubado e teve que fugir para Moscou. Temendo uma aproximação da Ucrânia com o Ocidente e especialmente com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), o Kremlin viu o perigo de a longo prazo perder o porto de Sebastopol e toda a Crimeia para a aliança de defesa ocidental e decidiu pela anexação, mesmo sendo uma violação ao direito internacional.
Criação de fatos consumados
Na guerra atual, a Rússia tenta consolidar sua presença na região. Além de conquistar o Donbass, o Kremlin declarou a criação de um corredor terrestre ocupado pelos russos dali até a Crimeia como um de seus objetivos de guerra mais importantes.
De fato, sem a ponte sobre o Estreito de Kerch, a península era anteriormente inacessível por terra a partir do território russo. Todo o abastecimento dos cerca de 2,3 milhões de habitantes vem pelo mar ou através dessa ponte.
Com novas conquistas no sul da Ucrânia, Putin também criaria mais fatos consumados: um retorno ao status anterior à anexação se tornaria praticamente impossível.
A Ucrânia ficaria completamente sem acesso ao Mar de Azov e, com a Crimeia se projetando para o Mar Negro como uma cunha gigante, a Rússia também seria capaz de controlar e cortar todo o tráfego marítimo com destino a Odessa, o último porto restante da Ucrânia no Mar Negro. A luta feroz pela pequena Ilha das Serpentes, na costa romena, mostra que este também é um objetivo de guerra russo.
Retomada é realista?
Na Ucrânia, no entanto, há indefinição sobre até onde se iria para trazer a Crimeia de volta ao controle ucraniano. O retorno da península é "uma questão que precisa ser negociada diplomaticamente", disse Sak, assessor do governo.
Militarmente, o presidente Volodimir Zelenski também está ciente de que uma reconquista seria impossível. "Acho que isso significaria centenas de milhares de baixas do nosso lado", disse Zelenski ao portal de notícias americano Axios.
No entanto, como uma devolução da Crimeia ao jugo ucraniano poderia ser alcançado por meios diplomáticos é até agora completamente incerto. Devido à atual relação de forças entre Rússia e Ucrânia e à importância estratégica da Crimeia, mas também por causa da clara lealdade da grande maioria de seus habitantes à Rússia, isso parece pouco realista no momento.