Literatura infantil
10 de dezembro de 2008Coração de Tinta (2003), Sangue de Tinta (2005) e Morte de Tinta (2007) são os três volumes de uma trilogia criada por Cornelia Funke. A tiragem total de seus livros infantis e infanto-juvenis já alcançou a cifra dos 6,5 milhões de exemplares. E a última terça-feira (9/12) marcou a estréia da versão para o cinema de Coração de Tinta (publicado no Brasil pela Companhia das Letras).
Para a escritora, chamada de "a Joanne K. Rowling alemã" (em referência à autora de Harry Potter), escrever para o público infantil é uma das melhores profissões do mundo. Seu ponto de partida é o respeito: "Minha relação com o leitor é clara. Sou a voz dele, mas não sei mais que ele. Dando tudo certo, posso fazer as perguntas que ele gostaria de fazer. Qualquer outra postura tomada pelo autor parece pretensiosa, tanto às crianças quanto a qualquer leitor", diz a autora em entrevista ao semanário Die Zeit.
Cornelia Funke começou a se dedicar à literatura infantil aos 28 anos de idade, no início na função de ilustradora. Rapidamente ela começou a querer inventar as histórias para os desenhos que fazia. Daí para a frente, vieram nada menos que 40 livros em 20 anos, muitos deles premiados, dentro e fora da Alemanha.
Das primeiras leituras à adolescência
Apenas nos países de língua alemã, foram vendidos 4 milhões de exemplares dos livros escritos pela autora. E para todos os gostos: desde os volumes de primeira leitura para a idade pré-escolar até literatura infanto-juvenil. Alguns escritos "não só para garotos" e outros "não só para meninas".
Mas foi com o romance O Senhor dos Ladrões (também publicado no Brasil pela Companhia das Letras), que Cornelia Funke ficou conhecida internacionalmente. A história de uma gangue que perambula pelas ruas de Veneza agradou tanto Barry Cunningham, o editor britânico de Harry Potter, que ele comprou todos os direitos de tradução do livro para o inglês em todo o mundo.
A primeira edição de capa dura, com dez mil exemplares, esgotou-se no mesmo dia em que chegou às livrarias. O diário The Guardian celebrou o volume como uma preciosidade alemã, perante a qual os autores britânicos de livro infantil deveriam se curvar. O Senhor dos Ladrões permaneceu por 20 semanas na lista dos mais vendidos nos EUA – um mercado de penetração difícil para autores estrangeiros quando o assunto é literatura infantil.
Mitos alemães e herança do nazismo
Com boas doses de humor, Cornelia Funke cria universos de fábula que costumam ser associados à tradição da literatura de língua inglesa e a nomes como Charles Dickens, C.S. Lewis ou Lewis Carroll. Essas referências são comuns apenas na mídia alemã, conta a própria autora ao jornal Die Zeit.
"Seria ótimo, mas principalmente os jornalistas britânicos já me disseram, com olhar de piedade, que me situam claramente numa tradição alemã, afirmando que sou uma herdeira dos poetas românticos. Nós já passamos por boas fases em termos de narrativa, pense em E.T.A. Hoffmann e nos Irmãos Grimm, por exemplo. Pessoalmente, acredito que foi o fascismo que soterrou essa tradição, por ter feito um mau uso das nossas fábulas e dos nossos mitos, prejudicando-os até hoje", observa a autora.
No entanto, uma literatura de teor pedagógico, que determine de maneira cartesiana o bem e o mal, jamais daria certo, acredita Cornelia Funke. Afinal, os livros estão aí para que possamos "ver o mundo com os olhos dos outros e nos enredar na liberdade ilimitada de mundos imaginários", diz a escritora ao semanário alemão, quando também lembra que é essa a função dos livros: "nos ensinar que podemos, através dos universos do outro, aprender mais sobre nós mesmos".
Efeito surpresa
Vivendo com os filhos em Los Angeles desde maio de 2005, Cornelia Funke conta em várias entrevistas que não optou por viver nos EUA "para ficar mais perto de Hollywood" e participar de eventuais adaptações de suas obras para o cinema – como a versão já realizada de Coração de Tinta – mas sim por ter muitos amigos na cidade e gostar da paisagem e do clima da Califórnia.
Quanto ao "segredo do sucesso", a autora confessa em conversa com a emissora Deutschlandradio: "O que faço com freqüência e acredito ser o segredo da literatura é fazer muita coisa por detrás da cortina e, de repente, perceber o que, na verdade, você acabou usando como imagem. Acredito que quando se sabe, de antemão, o que se quer empacotar, a história acaba não funcionando, porque fica tudo muito óbvio".
Mesmo acostumada ao sucesso, Cornelia Funke não deixa a modéstia de lado e parece até um pouquinho constrangida com tamanha ressonância de seu trabalho. "O que se pode querer mais na vida do que ser uma contadora de histórias que funcionam nas mais diferentes culturas?", pergunta a autora dos 6,5 milhões de livros vendidos.