A "Lista de Schindler" nunca existiu
1 de dezembro de 2004A Lista de Schindler nunca existiu. Pelo menos não a lista com L maiúsculo ficcionalizada pelo romance de Thomas Keneally, fonte do filme A Lista de Schindler, de Steven Spielberg. Esta é apenas uma das novidades levantadas pela biografia escrita por David M. Crowe e recém-lançada nos Estados Unidos sob o título Oskar Schindler – The Untold Account of His Life, Wartime Activities, and the True Story Behind the List (Oskar Schindler – O relato não narrado de sua vida, atividades durante a guerra, e a verdadeira história por trás da lista).
Listas feitas por terceiros
Na verdade, existiram nove listas, das quais quatro foram feitas por Marcel Goldberg, um membro corrupto do chamado Serviço Judaico de Ordem (Jüdisches Ordnungsdienst), a tropa policial do gueto de Cracóvia. Schindler só pôde ter sugerido alguns poucos nomes de judeus a serem salvos, pois na época estava preso, acusado de tentar subornar o comandante da SS, Amon Göth. Crowe não tem informação sobre a autoria das demais listas, ainda desaparecidas. Ele confirma que a versão de uma lista única de autoria própria foi propagada pelo próprio Schindler depois da guerra.
Crowe não questiona a coragem civil de Schindler, disposto a empenhar sua fortuna e arriscar a própria vida para salvar mais de 1100 judeus da deportação para campos de extermínio nazistas. No entanto, aponta que esta atitude foi resultado de um processo de transformação pessoal. Antes de se tornar benfeitor, provavelmente motivado pela dimensão bárbara do crescente terror contra os judeus, Schindler fora um "perigoso espião de calibre", comandante da unidade do serviço secreto que planejou a invasão da Polônia. Crowe destaca que Schindler teria se oposto inicialmente à deportação de judeus também para evitar desfalque no quadro de funcionários de suas fábricas.
Mérito de Schindler intocado
Algo que a biografia de 766 páginas também destaca é o proveito que Schindler tirou de sua amizade com judeus depois da guerra. O autor não hesita em sentenciar o biografado: "Devo admitir que fico consternado com o oportunismo de Schindler, sobretudo quando se tratava de usar seus contatos de amizade com judeus para conseguir vantagens econômicas após a guerra".
O biógrafo – historiador da Universidade de Elon, na Carolina do Norte, uma instituição ligada à United Church of Christ, e membro da comissão de formação do Museu Memorial do Holocausto, em Washington – destaca que os judeus salvos por Schindler resistem à relativização de sua imagem como herói. Crowe entrevistou dezenas dos chamados "judeus de Schindler" e pôde constatar gratidão irrestrita para com seu benfeitor. O autor considera esta visão "pragmaticamente romântica", mas a respeita em seu julgamento de Schindler.
Recepção na Alemanha
A imprensa alemã noticiou com atenção o lançamento da biografia de Schindler por Crowe nos Estados Unidos. O que mais satisfez a crítica foi o fato de haver uma fonte biográfica confiável que permita avaliar a trajetória do Schindler histórico ficcionalizado por Keneally e Spielberg. O fato de a biografia apresentar um Schindler mais controverso e mais mundano – mulherengo, beberrão e oportunista – o torna mais humano, e por isso mesmo mais extraordinário, opina a imprensa alemã.